Um fóssil chinês com 150 milhões de anos de idade acaba de embolar ainda mais o que sabemos sobre o surgimento das aves na Terra. Mais ou menos do tamanho de um pardal moderno, a Baminornis zhenghensis é a mais antiga ave cujos ossos da cauda foram transformados numa pequena maçaroca –algo essencial para o voo eficiente de suas parentas modernas.
A presença dessa estrutura amarfanhada no rabo, chamada pigostilo (o popular coranchim, muito apreciado por quem gosta de frango assado), é surpreendente pela antiguidade da espécie.
Ocorre que o B. zhenghensis tem a mesma idade que a mais famosa das primeiras aves fósseis, o Archaeopteryx, achado na Alemanha ainda no século 19. Mas a espécie europeia do período Jurássico ainda tinha um longo conjunto de vértebras da cauda, formando um rabo de grandes dimensões, como o dos dinossauros não avianos. (Especificar "não avianos" é importante, já que, a rigor, todas as aves são um subgrupo dos dinossauros carnívoros.)
Detalhes sobre a descoberta foram publicadas nesta quarta-feira (12) na revista científica Nature. A equipe liderada por Runsheng Chen e Min Wang, da Academia Chinesa de Ciências, estudou restos da espécie achados perto da cidade de Nanping (região sudeste da China).
O B. zhenghensis não tem o nível esplendoroso de preservação de outros fósseis de dinossauros e aves do país asiático (os quais, não raro, preservam penas e outros tecidos moles). Mas os ossos que chegaram até nós são suficientes para fazer uma série de inferências importantes sobre a anatomia e a locomoção da pequena ave.
Começando pela presença do famigerado pigostilo, que corresponde à fusão das últimas vértebras da cauda numa única estrutura, é possível afirmar que se trata de um claro "upgrade" em relação às aves que ainda tinham caudas ósseas longas.
"Ele tem várias funções aerodinâmicas", explica o paleontólogo Stephen Brusatte, da Universidade de Edimburgo (Reino Unido), em comentário para a Nature. "Serve como âncora para penas importantes para o voo, diminui o arrasto [a força contrária ao voo, causada pela interação do corpo da ave com o ar] e ajuda a mudar o centro de massa do animal, que fica mais próximo das aves", escreve ele.
Outras modificações importantes envolvem a região do ombro da Baminornis, na qual ossos como a escápula e o coracoide ganharam uma conformação mais favorável ao movimento do bater de asas. "Essas características anatômicas indicam que ela provavelmente voava melhor do que o Archaeopteryx", diz Brusatte.
Por outro lado, tais asas ainda eram, em grande medida, patas de frente semelhantes às dos dinossauros, com dedos capazes de agarrar a presa. Portanto, o voo da espécie ainda estava longe de ser tão eficiente quanto o de um pardal moderno.
O mais curioso, claro, é ver que tanto o Archaeopteryx, de características mais próximas das de um dino, e a Baminornis, mais "derivada" (ou seja, diferente do padrão ancestral), existiam ao mesmo tempo em diferentes regiões do planeta.
Esse fato muito provavelmente indica que ambas as espécies fazem parte de um processo mais amplo de diversificação das aves primitivas, que já estava acontecendo há um bom tempo antes que os dois evoluíssem.
Os autores do novo estudo mencionam estimativas que falam numa origem inicial do grupo há uns 170 milhões de anos ou até mais, fazendo com que houvesse tempo para a diversificação ao longo do Jurássico e do período geológico seguinte, o Cretáceo. "Fotografar" esse processo é difícil, em parte, por causa dos ossos pequenos e relativamente mais frágeis das aves primitivas, mas nada impede que fases ainda mais antigas da evolução delas acabem aparecendo nas rochas escavadas.
O paleontólogo e divulgador científico Paulo "Pirula" Pedrosa lembra que o pigostilo não é exclusividade das aves, e suas funções nem sempre estão associadas apenas ao voo.
Ele explica que a estrutura também apareceu de forma independente em várias linhagens de dinossauros não avianos e, mesmo nas aves, tem ainda a função de abrigar glândulas produtoras de óleo que ajudam a impermeabilizar as penas.
Considerando a diversidade de aves primitivas no Jurássico e no Cretáceo, aliás, o mais provável é que o pigostilo também tenha surgido de forma independente mais de uma vez nesse grupo.
"É uma coisa impressionante: a natureza desenvolvendo soluções independentes para problemas parecidos. E, como estamos falando de grupos muito próximos, é muito provável que sejam as mesmas alterações genéticas que facilitam esse processo", diz ele. "Devia haver alguma facilitação genética para amontoar essas vértebras. E o mais extraordinário é a antiguidade desse Baminornis, fazendo com que, de fato, a gente possa chutar para trás a idade da origem das aves."