Filipe Garcia Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL), foi condenado pela Justiça Federal do Distrito Federal por racismo. A pena é de 850 horas de prestação de serviços, R$ 22 mil em multas e R$ 30 mil em danos morais coletivos.
A condenação é relativa a episódio de 2021, quando Martins apareceu durante transmissão de uma audiência remota do Senado fazendo um gesto com a mão semelhante a um "OK" invertido, juntando as pontas do polegar e do indicador e esticando os demais.
Filipe Martins chegou a ser preso em fevereiro, em meio às investigações sobre a trama golpista, e só foi solto em agosto por decisão Superior Tribunal Federal (STF), que mantém censura a uma entrevista da Folha com o ex-assessor.
Martins é um dos indiciados pela Polícia Federal nas investigações sobre a tentativa de golpe em 2022.
Na denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que o gesto é um símbolo do movimento supremacista branco, conhecido como White Power (WP). Os três dedos esticados foram o "W" e o polegar e o indicador unidos, em prolongamento do punho, o "P".
Procurada pela Folha, a defesa de Filipe Martins chamou a sentença de "um ataque frontal aos fundamentos mais elementares do Direito Penal e, lamentavelmente, até da lógica básica".
O juiz David Wilson de Abreu Pardo, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, apontou na sentença outras ocasiões em que o gesto apareceu.
São citados o terrorista neozelandês Brenton Tarrant, acusado de assassinar 51 muçulmanos, que realizou o gesto diversas vezes no tribunal, e o grupo norte-americano Pround Boys, classificado pelo FBI como um grupo de extrema-direita ligado ao nacionalismo branco.
Em diversas fotos da invasão do Capitólio, dois meses antes do episódio envolvendo Martins no Senado, os supremacistas aparecem fazendo o mesmo gesto com as mãos.
Nas alegações finais, a defesa reforçou que Martins somente movimentou a aba direita do paletó e afirmou que se tratava de "gesto involuntário, um tique do réu diante das câmeras, como quem mexe nas roupas enquanto manuseia celular durante reuniões longas e, por vezes, tediosas".
Martins também alegou que não sabia que estava sendo filmado, tese derrubada pelo juiz em sua sentença. A partir de outras imagens, David Wilson de Abreu Pardo verificou que Filipe tinha diante de si telas que mostravam o que estava sendo filmado.
"Além de ter sua imagem projetada na tela grande à sua frente, em linha reta, essa imagem, veiculada pela câmera conectada ao computador do Presidente do Senado, era a mesma transmitida para os demais participantes remotos da sessão do Colegiado. Como se sabe, em reuniões de trabalho por via remota, comumente os seus participantes se vêem, uns aos outros, a partir de imagens transmitidas por seus próprios dispositivos, uns para os outros", escreveu Pardo.
O gesto ocorreu em momento em que só Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, falava, com Martins sentado logo atrás dele. Era a única outra pessoa visível na transmissão da TV Senado. Enquanto faz o gesto, Martins olha para a tela grande que o exibia de corpo "quase inteiro", pelo que observou o juiz.
"Portanto, uma verdade processual muito relevante, decorrente das circunstâncias descritas e das reproduções visuais, é a de que o réu mirava sua própria imagem, enquanto realizava os gestos reputados criminosos pela acusação. Em nenhum momento, nas duas ocasiões, o réu dirigiu seu olhar para as próprias vestimentas", diz a decisão.
O juiz ressalta que, nas duas oportunidades, os gestos foram sempre antecedidos e seguidos de intensas manipulações do seu aparelho de telefone celular, "como se estivesse a conversar por meio de aplicativo de mensagens com outras pessoas".
Em sua defesa, Martins alegou que não "possui ascendência judaica genealogicamente confirmada", é casado com uma mulher descendente de árabes e "mantém relações próximas com amigos negros, incluindo um de seus advogados, sem jamais ter sido alvo de qualquer denúncia ou crítica por comportamento discriminatório".
Para a Justiça, porém, houve "a intenção específica, clara e inequívoca de realizar a conduta descrita no tipo penal, em particular a de praticar e incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia", destacando que o que estava sendo julgado era o gesto, não as relações pessoais de Filipe.
A defesa de Filipe Martins afirma que vai recorrer. "A decisão se apoia em interpretações subjetivas sobre um gesto involuntário, que comporta múltiplos significados e culturalmente desprovido de caráter ofensivo no Brasil", afirma nota dos advogados Ricardo Scheiffer, Sebastião Coelho e Edson Marques.
"Ao desprezar o dolo específico, requisito indispensável para o crime de racismo, e ao substituir a análise técnica por conjecturas políticas, a sentença rompe com a tipicidade estrita e a presunção de inocência", continua a nota.