Espremida numa antiga área residencial em Seul, uma nova farmácia causa curiosidade. Ela não vende remédios comuns, e sim um "viagra do amor". A poção não é como a flecha de um cupido: funciona para fortalecer o sentimento que já existe e curar o coração. Com essa trama, o livro "Farmácia do Amor da Família Botero" chega ao Brasil pela VR Editora.
O romance é escrito pela sul-coreana Lee Sun-young, autora premiada e destaque na literatura infanto-juvenil, e aumenta a lista dos chamados livros de ficção de cura. O gênero literário virou moda no país com títulos vindos sobretudo da Coreia do Sul e do Japão sobre pessoas comuns cheias de angústias que encontram a plenitude.
Apesar da capa fofa, a escritora aborda temas sensíveis como bullying, suicídio e homofobia e faz críticas à sociedade coreana. Lee afirma, no entanto, que esses não são problemas exclusivos da Coreia do Sul, que viveu um rápido processo de industrialização, mas não conseguiu avançar nessas questões com a mesma velocidade.
E como lidar com esses desafios? "O apoio do governo é essencial, mas, acima de tudo, o diálogo, a empatia e a comunicação dentro da comunidade são fundamentais", responde a escritora. "É preciso que haja uma base de compreensão e acolhimento entre as pessoas. Propus o amor como uma forma de lidar com essas questões."
A família da trama é turbulenta. A mãe, descrita como bonita e de palavras duras, abriu o negócio após perder o emprego. O pai, indiferente e rechonchudo como as figuras de Fernando Botero, é bioquímico e criou a poção a partir da kisspeptina, um hormônio real. A filha quis se rebelar e virou musicoterapeuta, mas acaba atendendo clientes do local.
A cada capítulo, surgem novos personagens, também disfuncionais. Há uma casamenteira com casamento infeliz, uma garota que perdeu a fala após a morte do amigo, um homem gay que se casou com uma mulher mais velha, um mecânico apaixonado pela mãe da namorada.
A autora vê a construção de personagens como parte essencial da escrita. "O romance, ao mesmo tempo que investiga a essência humana, funciona como um espelho da vida. E tudo começa com uma busca minuciosa pelos personagens."
Alguns deles, ela diz, são reflexos dela mesma, e outros, de pessoas próximas. "Sempre observo atentamente as pessoas ao meu redor para criar personagens autênticos. Os que aparecem neste romance nasceram desse processo", explica.
Todos apresentam problemas que envolvem o amor de alguma forma e descobrem a farmácia. "Por meio das histórias deles, quis explorar as relações humanas e diferentes formas de se conectar com o outro", diz Lee. "Além disso, queria transmitir a mensagem de que o perdão e a aceitação fazem parte de um amor mais amplo."
Nas páginas finais, os casos se cruzam e, por mais complexos que sejam, são resolvidos –essência dos livros de cura, que garantem o final feliz. Para Lee, a ascensão dessas obras reflete o desejo dos leitores por momentos de respiro para aliviar o fardo da vida moderna. "Muitas pessoas buscam cura e conforto, mas, em uma sociedade competitiva e capitalista, até isso pode ser um desafio."
Embora tenha uma ambientação fantasiosa, a escritora descreve seu romance como hiper-realista. "O livro combina o elemento surreal do ‘elixir do amor’ com personagens extremamente realistas, comuns na sociedade coreana", diz. "Mesmo que não exista uma farmácia que venda poções de amor, acredito que lugares semelhantes —espaços de acolhimento, descanso, com mensagens de conforto e esperança— podem oferecer alívio para corações feridos e exaustos", completa.
A ideia da história surgiu quando ela dava aulas, entre 2021 e 2022, e discutia textos sobre os diferentes tipos de amor presentes na literatura. "Quando falamos sobre a essência do ser humano, o amor é um tema indispensável. Além disso, ao conhecer a kisspeptina, senti vontade de escrever sobre o amor que move o coração e a mente", explica.
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Depois de tanto falar de amor, questiono a autora sobre seu significado. Ela responde: "Há um momento em que o personagem Ihwan percebe que ‘o amor tem mais significado e valor quando é dado do que quando é recebido’. Isso se aplica a todas as formas de amor. Espero que esse amor possa evoluir para o perdão e a aceitação. Acredito que essa expansão do amor tem o poder de tornar as relações humanas e a sociedade mais saudáveis."
Desde "Farmácia do Amor da Família Botero", Lee publicou dois romances, entre eles "A Loja de Adivinhação que Nunca Acerta Nada", que teve os direitos comprados pela VR Editora. É uma ficção de cura com toque de humor e mistério, que aborda um aspecto mais leve do ocultismo coreano.
Seu próximo projeto vai se diferenciar dos anteriores: uma saga sobre a vida de uma mulher analfabeta com talento para a imitação que nasceu durante a ocupação japonesa da Coreia. "Escrever pode ser um processo árduo, mas considero minha vida como escritora uma grande bênção. Espero que meus livros possam ser um refúgio e um momento de alívio para os leitores", reflete.
A chamada k-literatura tem vivido um bom momento, com o Nobel de Literatura de Han Kang, e ganhado espaço no mercado brasileiro, com mais autores do país asiático sendo publicados e figurando entre os mais vendidos. Lee é otimista: "Estou confiante de que os leitores brasileiros continuarão a se apaixonar por nossas histórias."