Famílias falam pouco sobre sexo, mas espaço pode não ser o melhor para debater prazer

há 12 horas 1

A família tradicional brasileira vive um momento conservador, segundo a psicanalista e professora de psicologia do mestrado de Educação Sexual da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Patrícia Porchat. Tão conservador que falar sobre sexo está rarefeito —reflexo de um momento político fechado para questões da sexualidade, ela diz.

A conversa sobre sexo acontece pouco na esfera doméstica, diz Porchat. "Existe na forma de um alerta contra um perigo ou como uma proibição." A constatação parte do contato com as secretarias de educação e escolas públicas, feito a partir da universidade e do programa de educação sexual.

A psicóloga observou que as conversas tendem a ser associadas a moralismo —sexo só depois do casamento, meninas tomarem cuidado para não ficar malfaladas— e pouco se fala sobre as ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e o "praticamente nada sobre prazer".

Segundo a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, que é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, muitas famílias temem que a educação sexual precipite o início da vida sexual dos adolescentes. "Mas estudos indicam que o contrário acontece: quanto mais educado o jovem [sobre o tema], mais ele aguarda." De fato, um documento de 2019 da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) analisou programas de educação sexual ao redor do mundo e concluiu que nenhum deles gerou maior atividade sexual em jovens.

Abdo diz que a questão da falta de diálogo sobre sexo nas famílias não é novidade —a questão está no cerne do início da educação sexual nas escolas, na década de 1970. "Como [a educação sexual] não era fornecida pelas famílias, delegou-se esse papel às escolas", conta.

Para ela, era a alternativa possível no momento, mas não a melhor. "É uma educação coletiva, não é personalizada. Acaba apresentando temas inéditos para uns e que não interessam a outros, que têm mais experiência."

O modelo ganhou força, mas nunca livre de embates, que persistem até hoje. Segmentos conservadores da sociedade brigam para que as escolas tirem a educação sexual e qualquer menção ao tema de seus currículos. O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS) protocolou um projeto de lei, em 2023, para proibir a educação sexual no ensino básico.

Abdo diz que, inicialmente, as famílias se mostraram interessadas na educação sexual nas escolas, cenário diferente do que se apresenta hoje. "A maioria achava interessante porque os livrava dessa tarefa", diz.

Para Regina Schwandner, diretora do Instituto Criança É Vida, que dá formação no tema em parceria com ONGs, o assunto já foi mais fácil de ser tratado. Hoje, até o nome educação sexual foi substituído por um mais brando: educação em sexualidade.

Abdo observa que os pais não são contra a educação sexual, mas que eles "não se sentem à vontade para falar disso". Ela conta que nas escolas em que aplica educação sexual, o convite para as aulas é estendido aos pais, mas eles não costumam comparecer aos eventos.

A questão é que o assunto vai muito além de como colocar camisinha na banana —clássico das aulas de educação sexual. "É importante falar dos riscos do sexo não consensual", diz Abdo. A sexóloga diz que o tema é, ainda, termômetro de saúde. "É um excelente parâmetro de qualidade de vida. Como vou mensurar isso se eu não dou educação sobre isso?"

Mas a família pode não ser o ambiente mais adequado para ter toda e qualquer conversa sobre sexo. Para Porchat, a professora da Unesp, não precisa tornar a dimensão do prazer sexual explícita na conversa entre pais e filhos, mas ela não precisa ser negada. "Os pais não têm que ficar contando a vida sexual para os filhos e nem o contrário", diz. "Não é a conversa da ordem de: ah, você já experimentou sexo oral? Mas não faz sentido uma contradição explícita, tipo pais que transaram antes do casamento querendo proibir os filhos de fazer o mesmo."

Para Schwandner, o aspecto erótico deve ficar de fora da equação na hora de ensinar sobre sexo para adolescentes. Ela diz que, com o ensino do consentimento, o desejo vem depois, "na hora certa".

Segundo Abdo, a ideia das conversas em família não é que os pais entrem na intimidade dos filhos. "Por incrível que pareça, os jovens são mais caretas que as pessoas mais velhas. É delicado falar disso para quem está dando os primeiros passos."

Porchat diz que é normal haver alguns tabus entre pais e filhos —e eles não precisam ser quebrados para que haja uma conversa franca sobre sexo. "Tem uma diferença geracional", diz. "Filho não é amigo de igual para igual, não é uma relação horizontal."

Abdo diz que, se existe um espaço para diálogo na família, o sexo pode ser uma conversa como qualquer outra —mas não precisa forçar a mão para parecer mais contemporâneo. Para ela, a sexualidade mudou muito e, hoje, começa de formas mais solitárias e virtuais. O contato físico pode demorar para entrar em pauta, mas deve ser pró-ativo e ocorrer, idealmente, antes do início da vida sexual. "Educação sexual não significa passar experiência pessoal", diz.

Porchat recomenda que os pais observem se os filhos estão passando pelas mudanças típicas da puberdade, por exemplo, e usem esse gancho para puxar uma conversa. Ela ressalta que não precisa ser uma lição formal, na mesa do jantar, sobre a origem dos bebês, mas um diálogo que comece com perguntas sobre as mudanças do corpo e interesse afetivo por alguém especial.

"[A sexualidade] não é uma coisa que você transmite como se estivesse ensinando a lavar roupa", afirma Porchat, "é uma transmissão da ordem do respeito de si mesmo e do outro e da ideia que não há verdades absolutas".

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