"Livros sempre mostraram que a nossa história começava a partir da escravização", afirma a curadora Jamile Coelho que ressalta a importância de museus e instituições culturais que fazem o movimento contrário, de resgate e valorização das contribuições da população negra para o Brasil.
Ela chama atenção para o surgimento, cada vez mais frequente, de mostras que reúnem artistas negros de diferentes gerações com o objetivo de recuperar episódios importantes na história da população negra.
Em manifestações populares, em espaços como terreiros, rodas de capoeira e, inclusive na vida cotidiana, exemplifica, a contribuição cultural de pessoas negras e indígenas sempre teve papel central. Mas esses temas foram historicamente excluídos de museus e centros culturais.
"Durante muito tempo, esses espaços foram utilizados para colocar a nossa cultura num lugar de subalternidade. Então é fundamental que a gente tenha também esses locais para reconstruir o que foi perdido."
Jamile é uma das curadoras à frente da exposição "Raízes: Começo, Meio e Começo", em cartaz em Salvador, no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), que reúne 200 obras de 80 artistas afrobrasileiros e de países como Congo e Angola, para pensar a temporalidade de acordo com culturas africanas.
Além da mostra no Muncab, a curadora e diretora do museu cita como exemplo do crescimento da demanda pela presença da estética negra em museus a exposição "Um Defeito de Cor", em cartaz até 1° de dezembro no Sesc Pinheiros, na capital paulista.
A mostra parte do romance histórico homônimo de Ana Maria Gonçalves para construir um percurso com obras de 131 artistas, que abordam acontecimentos históricos, lugares e a história de personagens presentes no livro. Antes de chegar a São Paulo, "Um Defeito de Cor" passou pelo Museu de Arte do Rio e também pelo Muncab.
Outra exposição que evidencia o pensamento negro na arte brasileira é "Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro". Reunindo a produção de 240 artistas, desde mestres do século 19 até nomes em ascensão, a exposição é a mais abrangente dedicada apenas à produção de artistas negros já realizada no país.
"Dos Brasis" estreou no Sesc Belenzinho, zona leste de São Paulo, e atualmente está e m cartaz em Petrópolis, no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Sesc Quitandinha, até dia 27 de outubro.
Além do recorte racial, esses eventos dialogam na proposta de unir presente e passado. O objetivo é conectar obras como as pinturas de Heitor dos Prazeres (1898-1966), com esculturas de Emanoel Araujo (1940 - 2022) e fotografias de Lita Cerqueira, 72, para pensar nas representações do sagrado, dos sentimentos e da percepção de espaço e tempo, por exemplo.
Há uma busca de entender o passado para compreender o presente, já que, no processo de escravização as pessoas trazidas para o Brasil foram forçadas a deixar sua língua, seus costumes e tradições. "Quando a gente, carregado de ancestralidade, consegue caminhar para frente, a gente consegue construir presentes e pensar nessas possibilidades de futuro."
O tempo, res salta, para culturas africanas como a dos povos iorubás e bantos não é linear. Passado, presente e futuro estão conectados em uma espécie de ciclo. Isso é parte da cosmovisão africana, "um mosaico de aspectos culturais de diferentes etnias", que influencia todo o país.
Pensando na circularidade do tempo, os cinco núcleos de "Raízes: Começo, Meio e Começo" podem ser visitados em diferentes ordens, religiões de matriz africana, manifestações populares e afrofuturismo são alguns dos temas abordados. "Aqui a gente convida o público para lembrar da sua história e da sua origem", afirma sobre a exposição em cartaz no Muncab.
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