Exposição revisita obras de Bauer Sá e Gilberto Filho, expoentes da arte baiana

há 15 horas 1

O olhar de quem se deixa fotografar por Bauer Sá é tão penetrante que parece atravessar o espectador. O branco dos olhos contrasta de uma só vez com a escuridão que domina o cenário e com a negritude das peles.

"Eu exijo muito das pessoas que fotografo. Uma dessas exigências é o olhar, ele tem de ser preciso, como uma lâmina ou um punhal", diz o artista, que tem parte de sua produção exposta na mostra "Bahia Afrofuturista", em cartaz na galeria Galatea, nos Jardins, na capital paulista.

Além de 30 fotografias assinadas por Bauer, a exposição traz trabalhos de Gilberto Filho, escultor baiano que verteu a arquitetura urbana em 11 esculturas de madeira.

Os artistas têm poéticas diferentes, mas compartilham uma história de vida parecida. Ambos deram os primeiros passos na arte por influência da família. O pai de Gilberto era dono de uma marcenaria. Já o de Bauer era proprietário de um laboratório de fotografia, onde atuou como assistente durante dez anos.

Nesse período, o fotógrafo mergulhou no fazer artístico paterno, marcado pela ênfase em corpos negros —característica também presente no trabalho de Bauer. Ao ver as imagens, surpreende o modo como o artista captura seus modelos. Em um fundo escuro, eles aparecem em um cenário dominado pelo preto e branco.

Nas mãos de um fotógrafo menos habilidoso, a pele dos retratados poderia se misturar ao painel, fazendo com que desaparecessem. Mas as imagens não são apenas nítidas, mas destacam um jogo harmonioso entre luz e sombra. Exemplo é "Olhos de Xangô", que mostra um homem segurando o machado do orixá que batiza a obra, na altura do rosto, enquanto evidencia o contorno de seus braços.

A imagem remete a Caravaggio, mestre barroco célebre pelos contrastes entre luz e sombra.

"Eu tive que trabalhar muito para chegar nesse resultado", diz Bauer. "Fiz um revelador próprio para conseguir fotografar o negro no fundo preto. Em Frankfurt, fui a um laboratório em que consegui uma substância que não existia no Brasil para poder fazer as fotos."

Esse apuro estético valeu ao fotógrafo reconhecimento nacional e internacional. Ele já teve trabalhos expostos em instituições como Masp, Pinacoteca de São Paulo, Museu de Arte Moderna da Bahia e do Rio de Janeiro. Participou também de mostras em países como Inglaterra, Moçambique e Estados Unidos.

Além da valorização de corpos negros, suas obras se destacam pela ambiguidade. É o caso de "White Shoe", em que o fotografado leva sobre a cabeça um sapato branquíssimo.

Por um lado, o trabalho pode ser lido como uma referência a Zé Pilintra, entidade da umbanda conhecida por trajar ternos e sapatos impecavelmente brancos. Por outro, parece fazer ode à liberdade. Durante o regime escravagista, andar descalço pelas ruas era sinal de que a pessoa estava sob o jugo da escravidão.

"Não é uma imagem que entrega tudo", diz Tomás Toledo, sócio da galeria Galatea e curador da mostra. "A interpretação acontece quando o público olha e pensa aquela imagem a partir de seus próprios pontos de vista e de suas experiências imagéticas. A fotografia entrega uma parcela, que é complementada a partir da percepção do espectador."

Outra obra aberta a diferentes interpretações é a fotografia "Laroyê Bola 7", em que um idoso segura um bastão de madeira em formato fálico. Toledo diz que a peça é um ponto de conexão com as esculturas de Gilberto Filho, que se erguem para o alto tal como um falo.

Os objetos, que podem chegar a 2,5 metros de altura, lembram edifícios futuristas de grandes cidades. No entanto, no lugar do metal e das superfícies espelhadas, o que se vê é o predomínio da madeira, retirada de árvores como pau d’arco, sucupira e angelim. Quem olha as obras tem a impressão de que o artista condensou em uma mesma estrutura o arcaico e o moderno.

O uso da madeira acontece porque Gilberto nasceu em Cachoeira, no recôncavo baiano. A região é conhecida por ser um celeiro de escultores que trabalham com esse material, como Celestino Gama da Silva, mais conhecido como Louco. Apesar disso, a produção de Gilberto se diferencia do trabalho de seus conterrâneos em razão do aspecto urbano e futurista.

"Eu sempre gostei do moderno. Mas comecei primeiro fazendo prédios antigos e igrejas. Depois, fui evoluindo na prática", diz o artista, acrescentando que os arranha-céus de madeira são fruto de sua imaginação, e não da reprodução daquilo que já existe. "Levei dez anos aprendendo a fazer o que gosto e treinando a minha mente para chegar a esse nível."

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