Aos 31 anos, os médicos me disseram que, se eu não parasse de beber álcool, eu poderia morrer.
Fiquei chocada porque não bebia todos os dias, nunca bebia sozinha e bebia porque gostava como uma atividade social, não porque me sentia dependente do álcool.
Mas, por definição, meu consumo de álcool do fim da adolescência até o final dos 20 anos seria considerado "binge drinking" (consumo excessivo em uma ocasião). Parecia normal porque as pessoas ao meu redor estavam fazendo o mesmo —mas, agora, era algo que estava me afetando.
Eu tinha me tornado mãe recentemente e tinha ido ao clínico geral porque me sentia cansada o tempo todo. Isso levou a exames de sangue e uma verificação da função hepática (relacionada ao fígado).
Outros exames revelaram que eu tinha fibrose hepática grave relacionada ao álcool, ou cicatrizes no meu fígado, provavelmente por causa do meu hábito de beber.
Eu voltei do hospital para casa atordoada, com minha filha no carrinho.
Se isso aconteceu comigo, talvez eu não fosse a única. Eu queria saber o que isso dizia sobre a cultura de bebida do Reino Unido e comecei a pesquisar para o programa Panorama, da BBC.
As mortes específicas por álcool estão em seus níveis mais altos no Reino Unido desde que os registros começaram, em 2001.
Globalmente, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em junho, com base em dados de 2019, descobriu que havia 2,6 milhões de mortes relacionadas ao álcool a cada ano.
Embora o problema seja, sem dúvida, maior em homens —especialmente homens mais velhos—, mais do que nunca mais mulheres com menos de 45 anos estão morrendo devido à doença hepática relacionada ao álcool (DHRA), de acordo com os números do Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS) do Reino Unido entre 2001 e 2022.
Se bebermos uma determinada quantidade de álcool de uma só vez —por exemplo, em uma saída à noite—, pode ser muito mais prejudicial do que se bebermos a mesma quantidade por um período mais longo.
Uma pesquisa recente, feita por uma equipe da University College London e das universidades de Oxford e Cambridge, no Reino Unido, sugere que o binge drinking pode ser até quatro vezes mais prejudicial para o fígado.
Quando pensamos em binge drinking, tendemos a imaginar pessoas bêbadas saindo de bares e caindo em pontos de ônibus. Mas, na verdade, uma bebedeira desse tipo pode ter menos álcool do que você imagina.
No Reino Unido, é considerado binge drinking beber seis ou mais unidades de álcool de uma só vez para mulheres e oito ou mais para homens. Isso equivale a duas taças grandes de vinho para uma mulher.
No King's College Hospital em Londres, a hepatologista consultora Debbie Shawcross me conta que ela trata regularmente mulheres trabalhadoras na faixa dos 40 e 50 anos com doença hepática.
"Elas estão girando pratos no ar e talvez tenham famílias jovens", diz ela. "Elas não são alcoólatras... mas estão apenas bebendo demais como um hábito."
Ainda não estou na casa dos 40, mas ela poderia estar me descrevendo.
Quando eu era mais jovem, eu facilmente bebia mais do que é definido como binge drinking em uma noite fora.
Eu não refleti sobre nada disso até receber meu diagnóstico.
Depois que meus exames de sangue vieram anormais, fui enviada para o New Victoria Hospital de Glasgow, onde fiz um ultrassom e, finalmente, um exame chamado fibroscan. Tudo isso ocorreu ao longo de cerca de um ano.
Um fibroscan é um tipo de ultrassom não invasivo que mede a rigidez do fígado. Uma leitura de 7 kPA (unidade usada para medir o nível de oxigênio no sangue) ou menos é considerada normal. Minha leitura foi 10,2.
Isso indicou cicatrizes graves —se não tivessem sido detectadas e se eu não tivesse parado de beber, poderiam ter se transformado em cirrose.
Recebi meu diagnóstico em fevereiro de 2024. Meu médico, Shouren Datta, disse que se eu me abstivesse de álcool, então havia uma possibilidade de que minha fibrose pudesse ser revertida.
Sinto-me extremamente sortuda que o problema foi descoberto a tempo para que eu tentasse fazer algo a respeito.
Os médicos descobriram o problema enquanto investigavam meu cansaço.
No entanto, parte do problema com a doença hepática é que geralmente não há sintomas no início.
Sete em cada 10 pessoas com doença hepática em estágio terminal não sabem de nada sobre ela até serem internadas no hospital com sintomas como icterícia, retenção de líquidos e sangramento anormal.
Foi o que aconteceu com Emma Jones, 39, originalmente do norte do País de Gales. Eu a conheci 15 meses após seu transplante de fígado bem-sucedido.
Como eu, Emma era uma bebedora social, com uma carreira de sucesso e uma vida social vibrante. Mas durante as medidas de isolamento da covid-19, as coisas pioraram para ela —no auge da bebedeira, ela tomava três garrafas de vinho por dia.
Emma foi internada no hospital, onde descobriu que estava em estágio terminal de doença hepática. Ela recebeu menos de 36 horas de vida.
Milagrosamente, ela se recuperou e —após cumprir os seis meses de sobriedade exigidos— conseguiu o transplante de que tanto precisava.
A recuperação de Emma está em andamento e não é sem grandes mudanças de vida.
Ela tomará medicamentos pelo resto da vida e está imunossuprimida, o que significa que é mais difícil para seu corpo combater infecções e doenças.
Mas ela está viva, bem, e diz que está no melhor lugar em que já esteve. Acho sua positividade e determinação contagiantes.
'Hora do gim'
De acordo com os dados mais recentes do Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, de 2018, a doença hepática está consistentemente, a cada ano, entre as três principais causas de morte entre mulheres de 39 a 45 anos.
"O consumo de álcool por mulheres praticamente dobrou em um período muito curto de tempo... cerca de 10 anos", me conta a Profa. Fiona Measham, uma especialista no consumo de bebidas e drogas da Universidade de Liverpool.
Sua pesquisa sugere que, nas décadas de 1990 e 2000, a indústria de bebidas alcoólicas do Reino Unido se concentrou nas mulheres que bebiam, direcionando-as a produtos alcoólicos misturados e com teor baixo —e usando o feminismo, o empoderamento e a libertação como uma ferramenta de marketing.
Ela acha que essas práticas estabeleceram uma cultura de consumo de álcool em toda uma geração de mulheres jovens.
"O que estamos vendo agora é que o consumo entre jovens está caindo mais rápido, mas continua bastante estável para pessoas na faixa dos 30, 40 e 50 anos", diz ela.
A mesma abordagem agressiva persiste hoje na indústria do álcool, acredita Carol Emslie, da Glasgow Caledonian University.
Só que, agora, este mercado está promovendo coisas como prosecco, a "hora do gim" e "hora do vinho" como formas de as mulheres relaxarem e praticarem o autocuidado após um dia difícil.
O Portman Group, que representa a indústria do álcool no Reino Unido, enviou posicionamento à BBC.
Embora "o aumento da doença hepática relacionada ao álcool entre mulheres e homens no Reino Unido seja uma preocupação séria, é importante lembrar que o álcool sempre foi um produto legal", disse o grupo.
A entidade acrescentou que seu Código de Práticas "não protege contra marketing baseado em gênero especificamente", mas define "padrões mínimos para empresas de álcool comercializarem seus produtos de forma responsável".
E garantiu que está "comprometida em continuar... [seus] esforços para promover o consumo moderado, bem como responsabilizar a indústria do álcool".
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Reprogramando o cérebro
Vários meses após meu diagnóstico, repeti o fibroscan para ver se havia alguma melhora.
Fiquei aliviada ao ver que meu nível no fibroscan tinha ido de 10,2 para 4,7 —de volta à faixa normal e saudável.
Surpreendi-me com a diferença drástica que cortar o álcool fez em tão pouco tempo.
Não pretendo beber novamente —fui aconselhada a não fazer isso.
Não toco em uma gota há quase um ano e me sinto muito melhor por isso, mas ainda lamento de uma forma que não consigo identificar.
O álcool está arraigado na cultura britânica. Bebemos em festas de aniversário, casamentos e funerais. E então, é claro, há a temporada festiva, que vai desde antes do Natal até o Ano Novo.
Para mim, enquanto crescia, o álcool parecia normalizado e acho que não tinha plena consciência de quanta pressão havia para beber até ser forçada a desistir.
A abstinência não foi fácil. Levou muito tempo para reprogramar meu cérebro de forma a não precisar ou querer álcool como um mimo, uma recompensa ou como uma forma de relaxar e me divertir socialmente.
Acho que isso era parte do problema para mim naquela época, e continua sendo um problema para nossa sociedade agora.
Com reportagem de Amber Latif e Kirstie Brewe.