No fim de outubro deste ano, os estoques do SUS (Sistema Único de Saúde) de vacinas da Covid-19 estavam zerados em 18 estados, segundo levantamento da Folha. O resultado é fruto de imunizantes vencidos, redução das entregas de novas doses a estados e municípios e, de acordo com especialistas, da desorganização do Ministério da Saúde.
Médico infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Júlio Croda diz que a falta dos imunizantes não representa apenas a não-disponibilização das vacinas, até porque hoje duas produtoras têm registros no Brasil: a Pfizer e a Moderna.
"Então não é uma questão de falta do produto, nem de falta de opções de compra, porque existem dois produtores. Realmente faltou um planejamento mais adequado", afirma Croda.
Além do planejamento, o coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) Alexandre Naime Barbosa, diz que a falta de imunizantes representa uma falha de logística, de distribuição e de articulação com estados e municípios por parte do Ministério da Saúde.
"Não tem outra explicação. Você recebe o insumo e tem que distribuir ele para o país, estados e municípios sabendo a data de vencimento e se isso não acontece de forma exitosa, é porque o planejamento não foi adequado", diz Barbosa.
O especialista cita ainda que, com a existência do PNI (Programa Nacional de Imunização) há mais de 20 anos, nunca houve problemas para a distribuição dos imunizante. "E pelo programa vacinamos desde metrópoles como São Paulo até regiões ribeirinhas. E nunca tivemos problema de distribuição", completa.
Já a pediatra e diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) Isabella Ballalai diz que eventualmente é até comum que determinado imunizante não esteja disponível em todos os postos de vacinação, mas o paciente consegue se dirigir a outra unidade e encontrar. O quadro, segundo ela, é comum de acontecer quando há escassez de determinada vacina.
A indicação da especialista é que o país invista em uma produção nacional para não correr o risco de desabastecimento. [tem vacina brasileira para a Covid?]
Em casos em que o imunizante está próximo ao vencimento, a opção deve ser redistribuir esses produtos e essa decisão parte das prefeituras, de acordo com Ballalai.
No Brasil, estão na lista para receber imunizantes atualizados contra a Covid-19 grupos de risco, que são os idosos, imunossuprimidos, gestantes e crianças. Para o último público é indicada a vacinação especialmente porque, após os seis meses, não tem nenhum esquema vacina nessa parcela contra a Covid-19.
"A prioridade da saúde pública hoje é prevenir hospitalizações e óbitos", diz Ballalai.
Para Croda, o público ao qual estavam sendo ofertadas as novas doses são os que apresentam mais riscos de hospitalizações e óbitos. A orientação, de acordo com os especialistas, parte da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Alguns países, no entanto, como é o caso dos Estados Unidos, ampliaram a imunização para todos os públicos. O pesquisador da Fiocruz alerta que o exemplo é uma exceção e pode ser explicado pela oferta destes na rede particular do país.
Segundo a diretora da SBIm, a maior parte dos países escolheu seguir a determinação da OMS porque estamos numa fase melhor de controle da Covid-19, mas ainda há riscos e precauções a se tomar. "A doença ainda mata mais que a influenza, dentre elas principalmente crianças menores de 5 anos, por conta da baixa adesão, idosos e pessoas com comorbidades", completa Ballali.
Desinformação e falta de campanhas maciças sobre a importância da vacinação, em especial para as crianças, colaboram para a baixa, de acordo com o especialista da Fiocruz.
"Existe uma resistência maior dos pais levarem as crianças, principalmente porque é uma vacina de RNA e essa questão do RNA em relação à vacina de RNA teve muita desinformação", afirma Croda.
Campanhas de conscientização por parte do Ministério da Saúde que apontassem os riscos da Covid à populações mais vulneráveis pode ser uma das opções de incentivo para que os grupos prioritários também procurem mais a imunização, segundo o coordenador científico da SBI.
"Não adianta só ter a vacina, é importante conscientizar e intensificar as campanhas de vacinação. Está faltando a vacina, A solução não é aumentar o público-alvo. E sim, aumentar as pessoas que deveriam tomar", diz Barbosa.
O infectologista ainda menciona o cansaço da população com a doença. "Sofremos tanto do problema que não queremos mais ouvir falar sobre ele, mas ainda não é possível tapar os olhos para essa realidade", afirma.
Infectologista, docente e Membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da OMS, Cristiana Toscano afirma que o mercado global para a compra de vacinas é complexo e muitas doses de imunizantes podem acabar sendo ofertadas com preferência à outros países.
Em relação ao desabastecimento de vacinas de Covid-19, Toscano afirma que o problema é pontual e diz não ver uma falha importante. "A vacina foi comprada, a demanda foi baixa e perdeu um pouco do lote em função da validade", afirma a infectologista.
De acordo com Toscano, a cobertura vacinal contra a Covid, em especial, em crianças, sempre foi baixa. A resposta para o problema, segundo ela, é por conta da desinformação sobre o imunizante.
No artigo "Vacina é prioridade para o governo", publicado na Folha no último dia 29, a ministra da saúde Nísia Trindade afirma que a falta dos imunizantes é momentânea e que está sendo solucionada.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que não há falta de vacinas contra Covid-19 no Brasil e que a pasta concluiu a distribuição de 1,2 milhão de doses atualizadas a todos os estados e Distrito Federal nesta semana, regularizando os estoques.
O ministério informa ainda que um novo pregão para adquirir 69 milhões de doses para os próximos dois anos foi concluído. Segundo a Saúde, o principal foco são as crianças e a estratégia de vacinação atual da pasta é baseada em evidências científicas, discutida com especialistas e segue as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Entre as medidas para combate da desinformação o Ministério da Saúde diz atuar por meio do programa Saúde com Ciência, do Movimento Nacional pela Vacinação, de campanhas publicitárias e estratégias com ações adaptadas à realidades locais.