Erros e preconceitos motivam tentativa de controlar bets de beneficiários do Bolsa Família

há 5 meses 9

Desde que o Banco Central revelou a magnitude dos gastos dos brasileiros com casas de apostas, projetos de lei foram protocolados na Câmara dos Deputados para regular essa indústria. Visando regulamentar um setor que se alimenta da vulnerabilidade humana, alguns projetos vão além e buscam proibir apostas feitas por quem recebe o Bolsa Família.

Essa é uma história conhecida: a regulação da pobreza. "Regular", aqui, refere-se a normas sociais e políticas públicas para controlar o comportamento dos pobres. Constrói-se, assim, a imagem dos pobres que devem ser educados, já que são vistos como despidos de racionalidade e moral: assume-se que não sabem votar e são responsabilizados pela escolha de maus políticos; espera-se também que não saibam educar seus filhos, e são culpabilizados pela pobreza das próximas gerações.

Neste caso, ao pobre é negado o direito de usar livremente sua renda. O dinheiro recebido da assistência social é realmente seu? Ou seria a assistência social apenas para custos predeterminados? No caso das apostas, os pobres são vistos como se estivessem engajando em comportamento supérfluo, o que provaria que não precisam da assistência. Há premissas errôneas que permeiam essas questões.

A primeira é que as famílias que recebem o BF não têm outras fontes de renda. Não existe trabalho formal disponível para todos no Brasil. A informalidade é a única saída para muitos. A maioria dos beneficiários do BF têm renda proveniente de trabalho, mas informal, instável e de baixo valor. Ter diversas fontes de renda é uma estratégia de sobrevivência, e isso não desqualifica essas famílias do BF, cujo acesso é determinado por estarem abaixo da linha da pobreza. É equivocado afirmar que "a cada 5 reais pagos pelo BF, 1 vai para apostas", pois o cálculo ignora rendas não formais. O que esses trabalhadores fazem com o dinheiro que ganham não pode ser objeto de controle.

Uma segunda premissa é a ideia de que os beneficiários deveriam usar o valor para investir em atividades produtivas, e não em apostas. Os benefícios são calculados para retirar famílias da pobreza, suficientes apenas para cobrir custos básicos, principalmente de alimentação. Na falta de oportunidades de acesso ao crédito e de opções de trabalho digno, as apostas aparecem como uma alternativa fácil de enriquecimento. E não são as únicas. Se o uso da renda para apostas é problemático, é também por ser resultado da falta de oportunidades de investimentos seguros.

Por fim, o controle da renda dos beneficiários do BF não é desejável ou viável. Essa fiscalização não afeta o impacto positivo do programa (ESTÁ ERRADO?). Beneficiários investem em educação e alimentação de seus filhos, gastos que movimentam economias locais. Esse controle seria incompatível com o direito a uma renda mínima baseado na dignidade dos cidadãos. Ademais, a devida fiscalização encareceria o programa, tornando-o menos eficiente. Seria também ineficaz, pois as famílias encontrariam maneiras de gastar o dinheiro da forma que quiserem.

Após 15 anos de BF, sabemos que dois terços dos filhos dos primeiros beneficiários não precisaram recorrer a programas sociais do governo. Um dos projetos de lei menciona a "forte possibilidade de endividamento excessivo dessa parcela da população mais vulnerável". Os dados revelam que a distribuição de pessoas fazendo apostas é similar entre a população brasileira e os beneficiários do BF. Se as apostas apresentam um risco de endividamento massivo da população, qualquer tentativa de destacar o problema das apostas como um comportamento exclusivo dos pobres é equivocada.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Flávio Eiró foi "Para onde vão os meninos de São Mateus", de Rodrigo Campos.

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