Entenda o que é liberdade de expressão e os limites previstos na legislação

há 3 dias 1

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido no artigo 5º da Constituição. Seu objetivo é assegurar que todos possam emitir opiniões e ideias sem retaliação.

A Carta Magna protege a liberdade de manifestação do pensamento, vedado o anonimato. Além disso, determina que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

O tema também é pensado à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

O artigo 19 do documento determina que "todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".

O direito, entretanto, tem limites quando esbarra em crimes estabelecidos pela legislação. Alguns exemplos no Brasil são casos de racismo, bullying, crimes contra a honra e ataque à democracia, segundo Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor da Faculdade de Direito da USP.

Há, também, zonas cinzentas que podem chegar aos juízes em situações concretas. O debate fica mais complexo pela amplitude de casos, que podem ir desde assédio judicial até discurso de ódio.

O assunto movimenta a arena pública a cada decisão envolvendo casos conhecidos, como o do jornalista Breno Altman, condenado no final de outubro a pagar indenização por postagens sobre a guerra entre Israel e Hamas.

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Outro exemplo é a determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino de tirar de circulação livros jurídicos com trechos homofóbicos.

Para Paulo Henrique Cassimiro, professor de ciência política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é importante compreender que a reflexão sobre o tema não é meramente jurídica.

"A disputa pelo que é liberdade e o que é uma violência à liberdade é fundamentalmente política. Um grupo que se considerou censurado vai argumentar que está defendendo uma posição de liberdade, enquanto o grupo que defendeu a censura vai considerar que está defendendo a dignidade daqueles que foram ofendidos", afirma.

Ele acrescenta que o tema é espaço frutífero para a reprodução de lógicas políticas polarizadas.

Especialistas ligados à liberdade de expressão também argumentam que ainda falta no Brasil debate mais sólido para garantir o direito. Eles citam o tema 837, que está em julgamento no Supremo com repercussão geral, como oportunidade para definir esses parâmetros.

Veja alguns casos recentes que mobilizaram a opinião pública a respeito dos limites da liberdade de expressão.

Jornalista condenado por postagens sobre Israel

O jornalista Breno Altman foi condenado no fim de outubro a pagar indenização de R$ 20 mil por postagens sobre a guerra entre Israel e Hamas consideradas pela Justiça como racistas contra judeus.

Altman, que é judeu, afirma que sua postura não é antissemita, mas contra o genocídio de Israel em Gaza.

Na condenação, o juiz interpretou haver racismo em 5 de 20 postagens que constavam na ação civil da Conib (Confederação Israelita do Brasil) por causa de frases como "não importa a cor dos gatos, desde que cacem os ratos" e da caracterização de judeus sionistas como "pequeno-burgueses apodrecidos por doutrina racista, medrosos, racistas etc", na interpretação do juiz.

Na seara criminal, a Polícia Federal concluiu que o jornalista não cometeu crime ao fazer postagem usando a palavra "ratos".

Para Raísa Cetra, diretora executiva da organização Artigo 19, a condenação de Altman ilustra o "caso clássico" de restrição a jornalistas, categoria das mais atacadas quando o tema é assédio judicial.

Segundo Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor da Faculdade de Direito da USP, o caso exemplifica "essa tênue divisão entre liberdade de expressão e ofensa à honra ou incitação ao ódio".

O ministro Flávio Dino (STF) determinou no fim de outubro a retirada de livros jurídicos com texto homofóbico e misógino.

As obras continham trechos que diziam, por exemplo, que a Aids "somente existe pela prática doentia do homossexualismo". O magistrado entendeu que o caso concreto, de discurso de ódio, não era protegido pela liberdade de expressão.

Ele permitiu que as obras jurídicas fossem oferecidas novamente ao público com a condição de que fossem retirados os trechos incompatíveis com a Constituição e determinou indenização de R$ 150 mil por danos morais coletivos.

O material foi contestado pelo Ministério Público depois de alunos da UEL (Universidade Estadual de Londrina), no Paraná, o encontrarem na biblioteca da instituição. O pedido de retirada abrangia cinco livros da Editora Conceito Editorial Ltda, mas Dino entendeu que não cabia a um deles a restrição.

O Ministério Público também pediu a destruição dos livros. O caso chegou ao STF por meio de recurso. Em 2016 a ação havia sido negada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que compreendeu que as obras não tinham potencial para disseminar o ódio.

Para Charlene Nagae, advogada e cofundadora do Instituto Tornavoz, associação que oferece defesa jurídica em processos envolvendo liberdade de expressão, não ficou claro se a decisão do ministro acatou, por exemplo, o pedido de destruição dos livros. Ela fala que as obras realmente pareciam incitar a discriminação, o que é vedado constitucionalmente, mas que a decisão de retirar livros de circulação é "sempre difícil", inclusive operacionalmente.

Monark condenado à prisão por ofensa a Dino

Em outubro, o youtuber Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, foi condenado a mais de um ano de prisão em regime inicial semiaberto por injúria contra Flávio Dino.

Foi determinada também indenização de R$ 50 mil. A condenação fez referência a falas do influenciador sobre o então ministro da Justiça de Lula, que foi chamado de "autoritário do caramba", "gordola" e "merda".

A juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal de São Paulo, interpretou que as falas do youtuber extrapolaram a liberdade de expressão.

Para Charlene Nagae e Raísa Cetra, a condenação à prisão é desproporcional. Nagae afirma que as cortes internacionais de direitos humanos falam, há anos, sobre a desproporcionalidade da existência dos crimes contra a honra, que, em sua opinião, precisam ser repensados no Brasil.

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