Enfrentei um de meus medos e comi um doce; o mundo não acabou

há 4 meses 12

Há anos tento entender porque a comida representa uma ameaça na minha vida. Dia desses provei da doçura que um abraço no estômago pode trazer a ela. Despem-se as gorduras, os carboidratos e as calorias e fica só o quentinho da ternura no corpo. Um simples bolinho feito no micro-ondas transforma o estômago em um local seguro.

Foi o meu namorado quem me apresentou esse sabor. Apesar das décadas existindo no mundo, foi uma surpresa. Das boas. Me fez pensar que pode haver novas oportunidades da gente se encontrar —eu e a sensação maravilhosa dentro de uma caneca ros a que eu comprei na Daiso.

O impacto de algo tão banal me levou para 2014, diretamente à primeira vez que minha ex-psicóloga me sugeriu comer um pedaço de chocolate naquela semana. Um quadradinho só, que o monstro da culpa engrandecia e projetava como um peso gigante sobre mim. Era muita coisa para carregar.

Foram semanas de sofrimento, dividida entre me recusar a comer, comer e vomitar ou encarar a vulnerabilidade e ingerir um punhado de açúcar. Passei meses até, enfim, concluir a tarefa. Aquele pedacinho virou uma grande comemoração com ela, minha então psicóloga e inspiração para esse pseudônimo, Ana Carolina.

Ali recomeçava minha relação com a comida. Ora, é óbvio que eu sempre comi e estou aí, há décadas, mastigando. Mas de praxe entre episódios de compulsão que me faziam devorar todos os pedaços de uma pizza sozinha, sentada no chão do meu quarto, e a restrição absoluta, que me fazia desmaiar rotineiramente em locais públicos, assustando conhecidos e desconhecidos, a todo momento correndo para descobrir o que acontecia comigo. Era o famoso "saco vazio não para em pé."

Esse chocolate abriu espaço para o macarrão de domingo na minha mãe e o pão no café da manhã. Como de costume, alguém irá brotar do absoluto nada e dizer: é preciso maneirar nos carboidratos e nos doces, é uma questão de saúde. E quem foi que disse o contrário? Pois é também questão de saúde não viver em sofrimento, e a relação com a comida infelizmente pode trazer medo, culpa, nenhum prazer e muita dor.

Já somo dez anos reaprendendo a comer. Demorei muito para entender que se alimentar não é só para ficar em pé. É também. Mas pode envolver uma tradição familiar ou uma comemoração. Pode ser mais do que uma colher de arroz e outra de feijão para não desmaiar e mascarar uma doença que me deixou tanto tempo com a imunidade baixa.

Com minha atual psicóloga, venho tentando entender porque ainda é raro que eu sinta fome ou vontade de comer. Eu como porque sei que o corpo precisa etc e blá-blá-blá (e também porque sei que ele armazena mais gordura se achar que você não vai ingerir nutrientes). A cada três horas, lá vou eu.

Me comprometo a incluir todos os nutrientes em cada preparo. Mas desde o início deste ano venho lidando com um agravante que havia me deixado por um tempo: a depressão. E ela também captura essa fome que já não tenho.

Eu até pensava que apenas tinha me convencido de não ter acesso a essa sensação. Como aqui conto não apenas o que vivo, mas também o que dizem especialistas, descobri que não era invenção. Em um outro texto do blog a nutricionista Sophie Deram disse que a sensação de fome pode ser inibida. E entre os altos e baixos de reaprender a comer, de vez em quando até esbarro nesse alerta fisiológico. Também é confuso para mim.

Foi então que, dia desses, submersa no cansaço após uma crise de ansiedade, busquei um afago e recebi em forma de bolo. "Vou te fazer um doce", ele disse —mas na nossa casa só tinha doce de leite. Deitei sob o edredom, de banho tomado e pijama (ainda evito tomar banho após comer, pois acho difícil lidar com o meu corpo) e esperei. Um bolinho preparado em cinco minutos alcançou minhas mãos.

Uma banana nanica amassada, um ovo, duas colheres de farinha de aveia, uma pequeninha de fermento e canela. Mexe e deixa no micro-ondas por dois minutos. Algo assim, banal. E de longe uma das coisas mais gostosas que eu já comi.


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