Atuais e ex-formuladores de política monetária estão alertando que qualquer tentativa de Donald Trump de minar a independência do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) em seu segundo mandato como presidente desestabilizaria a maior economia do mundo e os mercados financeiros globais.
Da primeira vez na Casa Branca, Trump criticou Jerome Powell, nomeado por ele em 2017 para liderar a autoridade monetária, e o chamou de "incompetente" e "inimigo" por resistir a seus pedidos de redução das taxas de juros. Ele cogitou demitir ou rebaixar Powell, mas enfrentou resistência de conselheiros devido aos limites legais para isso.
Essas ameaças ressurgiram na campanha, com Trump dizendo que queria ter voz nas decisões de política monetária.
"Não acho que eu deveria ter permissão para ordenar isso, mas acho que tenho o direito de opinar se as taxas de juros devem subir ou descer", disse o republicano no mês passado.
Pierre-Olivier Gourinchas, principal economista do FMI, afirmou ao Financial Times que "a independência do banco central é uma das maiores conquistas dos últimos 50 anos".
"Qualquer coisa que vá na direção de reduzir a credibilidade de combate à inflação de um banco central é um problema."
Trump assumirá a Casa Branca em um momento em que o Fed debate qual é o ritmo mais apropriado para reduzir as taxas de juros. O objetivo da autarquia é manter as pressões inflacionárias sob controle, mas também não impedir o crescimento econômico dos Estados Unidos.
Isso exigirá equilíbrio, ao qual Powell aludiu na quinta-feira, após o banco central decidir cortar os juros em 0,25 ponto percentual. É possível que haja tensão caso o Fed não reduza as taxas tão rapidamente quanto Trump gostaria.
Powell não descartou a necessidade de aumentar as taxas novamente se as condições econômicas piorarem —um aviso ao presidente eleito. As promessas do republicano envolvem implementar tarifas abrangentes, deportar imigrantes em massa e reduzir impostos, o que reacendeu temores sobre uma nova escalada inflacionária.
A interferência política em um ambiente de inflação ressurgente seria um "cenário desastroso", disse Şebnem Kalemli-Özcan, economista da Universidade Brown.
Além dos ataques verbais, que Powell já rebateu no passado, Trump também terá alguma margem para remodelar os altos escalões do conselho de dirigentes ("governadores", no jargão americano). O alcance pode ser limitado, no entanto, dado que a maioria dos mandatos dos atuais oficiais não expira até muito depois do término do segundo mandato de Trump.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
O mandato de Powell como presidente termina em maio de 2026. Na quinta-feira, ele respondeu com um categórico "não" quando perguntado se renunciaria ao cargo antecipadamente se o presidente eleito lhe pedisse. Seu mandato enquanto governador não expira até janeiro de 2028, dando-lhe margem para permanecer por mais tempo, se desejar. A única outra vaga que surgirá é a ocupada por Adriana Kugler, cujo mandato termina em janeiro de 2026.
Quem quer que Trump selecione para essas posições precisará de aprovação do Congresso. Esta é uma das prerrogativas consagradas pela lei que permitiram à instituição permanecer "muito estável e duradoura", disse James Bullard, que deixou seu cargo como presidente do Fed de St. Louis no meio do ano para se tornar reitor da escola de negócios da Universidade Purdue.
Mas, dada a ampla maioria dos republicanos no Senado, cujo poderoso comitê bancário lidera o processo de avaliação, escolhas não convencionais podem enfrentar menos resistência do que no passado. Esse comitê foi crucial para barrar algumas das escolhas de Trump para o Fed em seu primeiro mandato, como Judy Shelton.
"O Fed conseguiu manter distante essa partidarização crescente, mas Trump pode ser uma força da natureza", disse Sarah Binder, professora de ciência política da Universidade George Washington. "O perigo é que essas atitudes em relação ao Fed se espalhem."
Propostas não ortodoxas já foram sugeridas pelos conselheiros de Trump, incluindo o estabelecimento de um "presidente sombra", amplamente reconhecido como sucessor de Powell muito antes de ele deixar o cargo. Se essa pessoa estivesse fora do Fed ou ocupasse o assento de Kugler e sinalizasse orientações potencialmente divergentes sobre política monetária, isso poderia levar a comunicações confusas.
"O Fed valoriza a comunicação porque, para atingir seus objetivos, o comitê quer alinhar as condições financeiras com o que fará com que esses objetivos sejam alcançados", disse Jonathan Pingle, economista-chefe dos EUA no UBS.
"Se as comunicações impedirem que os mercados se alinhem corretamente com a determinação do comitê sobre quais condições financeiras são necessárias, então você terá uma política monetária abaixo do ideal."
A ameaça mais extrema é que Trump tentará demitir Powell, algo que o próprio presidente do Fed disse na quinta-feira que "não é permitido por lei".
O Federal Reserve Act estipula que os membros do conselho de governadores só podem ser demitidos por justa causa, o que é interpretado como má conduta grave e outras violações.
Mas o estatuto não especifica se essa proteção se estende ao presidente, o que Binder disse que poderia ser potencialmente desafiado legalmente. Em qualquer caso, Powell poderia permanecer como governador e provavelmente ainda lideraria o banco central, cujo presidente é selecionado por seus membros.
Trump insinuou que pretende manter Powell no cargo, mas no meio do ano acrescentou que isso dependeria de ele "fazer a coisa certa".
Qualquer indicação de que Trump mudou de ideia nesse aspecto provavelmente seria recebida com uma rápida repercussão financeira, alertou Mark Spindel, gestor de investimentos. "Há outro governador na sala, que é o mercado", disse ele.
Se Trump mantiver sua abordagem como um "gastador e tomador de empréstimos livre", Spindel diz que "as dinâmicas de mercado serão realmente cruciais".
"Você mexe com o presidente do Fed por sua conta e risco", acrescentou Raghuram Rajan, ex-dirigente do banco central da Índia.