"Nos anos 70 e 80, algumas companhias faziam propostas criativas para atrair investidores", lembra Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista. "Algumas ofereciam uma porcentagem de proventos baseados na cotação da ação, o que era insustentável. Outras companhias davam descontos exclusivos para quem comprovasse que tinha ações da empresa", recorda. Estaríamos diante de um retorno ao passado?
No caso da M. Dias Branco, a estratégia também visa recuperar a confiança do mercado. A compra da Piraquê em 2018 pressionou a lucratividade e os resultados de 2024 foram fracos. O lucro líquido do 4º trimestre caiu 48,4%, para R$ 176,5 milhões, e no ano recuou 27,3%, fechando em R$ 646 milhões.
Para reverter o cenário, a empresa tem cortado custos, fechado fábricas e apostado na nova política de dividendos. Também trouxe Pedro Parente, ex-Petrobras e BRF, para o conselho de administração, visando fortalecer os negócios e ajudar nos planos internacionais.
Embora muitos analistas sigam céticos, alguns começam a mudar de opinião graças aos dividendos mensais. O BB Investimentos, por exemplo, elevou a recomendação de MDIA3 de neutra para compra e fixou um preço-alvo de R$ 30 para o final de 2025.
Como vai funcionar a nova política de dividendos mensais?
A nova política de dividendos mensais foi formalizada no estatuto da companhia, garantindo assim sua continuidade em 2026, 2027 e nos próximos anos, explicou Fabio Cefaly, diretor de Relações com Investidores da M. Dias Branco, ao UOL.
A empresa pretende pagar R$ 0,03 por ação todo mês (R$ 0,09 por trimestre), em dividendos ou juros sobre capital próprio (JCP) - estes últimos têm desconto de imposto de 15% na fonte. Em 2025, porém, serão apenas dividendos. Além dos pagamentos mensais, haverá uma distribuição complementar no ano seguinte.
O objetivo é manter um payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) de 80% do lucro líquido distribuível - que nada mais é do que o lucro líquido total menos as reservas legais e incentivos fiscais.
Como a companhia tem baixo endividamento (0,18 dívida líquida/Ebitda), pode sustentar essa política. Porém, se a alavancagem chegar a 1,5 vez, o payout pode ser reduzido para 60%. "Isso só ocorreria em um cenário de muitas fusões e aquisições", ressalta Cefaly.
Os dividendos são financiados pelo lucro anual, sem necessidade de usar as reservas. Segundo cálculos da empresa, R$ 0,03 por mês (R$ 0,36 ao ano) é sustentável, com variação apenas na parcela complementar, que pode ser maior a depender do lucro do exercício. Em um cenário extremo de prejuízo, a companhia poderia recorrer às reservas para honrar o compromisso mensal.
A M. Dias Branco quer replicar o modelo do Banco do Brasil (BBAS3), divulgando um calendário anual no começo do ano com as datas de corte (para garantir o provento), data ex (sem direito ao provento) e datas de pagamento. "Isso permite ao investidor se planejar e ter uma previsibilidade de quando receberá os dividendos", explica Cefaly.
A ideia é que os pagamentos ocorram sempre no último dia do mês, com a "data com" para garanti-los no decorrer daquele mesmo mês.
Com 49.581 investidores pessoa física, a companhia busca atrair novos investidores pessoa física, institucionais e estrangeiros e aumentar a liquidez das ações. Sobre o ceticismo do mercado com a recuperação da empresa, Cefaly afirma que a empresa tem caixa robusto (R$ 500 milhões no último trimestre) e opera em mercados resilientes, como biscoitos e massas. "Mais de 90% das famílias consomem. A empresa gera muito caixa, apesar das oscilações do trigo e câmbio e preço do óleo de palma. A demanda pelos produtos é resiliente", defende.
Analistas opinam
Apesar de verem como positiva a implementação de pagamentos recorrentes, a maioria dos analistas segue cético com a empresa e não a considera uma opção para carteiras de dividendos. O consenso é que R$ 0,03 por mês ou R$ 0,36 por ano é um dividend yield (retorno em dividendos) muito baixo para uma ação que custa cerca de R$ 23.
"Mesmo com maior frequência, a empresa tende a manter um dividend yield baixo. E não está descontada", avalia Guilherme La Vega, da Arkad Invest. Ele vê a companhia como consolidada, com poucas oportunidades de crescimento, o que gera um acúmulo de caixa e sustenta os dividendos no longo prazo.
Para Oliveira, do Vida de Acionista, a nova política torna a empresa válida para estudo do investidor, mas há desafios, como a implementação efetiva do sistema de remuneração. Ele destaca que pagamentos mensais podem atrair fundos de pensão, que buscam essa recorrência.
Oliveira também aponta riscos, como o fim dos incentivos fiscais, aquisições que prejudiquem o operacional e a volatilidade no preço de commodities como trigo e açúcar, que podem impactar o lucro.
Cristiane Fensterseifer, do Investe10, concorda e vê alternativas mais atrativas com dividend yield maior. "A reforma tributária preocupa porque pode retirar incentivos. A alta do dólar também é um ponto de atenção", diz.
Marco Saravalle, da MSX Invest, acredita que a novidade dos dividendos mensais pode atrair investidores inicialmente, mas que o baixo dividend yield tende a afastá-los no futuro. "O investidor pode perceber que é melhor aguardar um pagamento maior trimestralmente ou semestralmente do que receber pouco todo mês", observa.
O único otimista é Fábio Sobreira, da Rocha Opções de Investimentos, que vê espaço para um pagamento complementar robusto, elevando o dividend yield para 6% ou 7% em 2025. "É uma empresa bem gerida, mas ainda sofre para voltar ao patamar pré-Piraquê", diz.
A XP também aprovou a nova política. "Vemos isso como positivo, pois o forte balanço da MDIA3 e a baixa alavancagem permitem uma estrutura de capital mais eficiente", afirmaram analistas. Mas aconselha manter o papel.
No consenso de mercado do TradeMap, entre 8 instituições, apenas duas recomendam compra, enquanto seis indicam manter a ação. Ou seja, a M. Dias Branco ainda precisa convencer os analistas.
Pagar dividendos baixos mensalmente não é exclusividade da empresa. Bancos como Itaú, Bradesco e Itaúsa também operam nesse modelo, mas distribuem proventos complementares e dividendos extraordinários ao longo do ano, para engordar o dividend yield.
A ideia de pagar dividendos mensais foi boa, mas faltou a M. Dias Branco tirar o escorpião do bolso e ser mais generosa nos pagamentos.
Quem paga dividendos mensais na bolsa?
Várias empresas já praticam o modelo de pagamentos mensais. Entre as mais tradicionais estão os bancos Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Banestes (BEES4).
Para atrair investidores e aumentar a liquidez, outras companhias aderiram à prática nos últimos anos. Em 2025, Vulcabras (VULC3), Allos (ALOS3) e Mitre (MTRE3) confirmaram que seguem com essa política.
A JHSF (JHSF3) ainda não confirmou se manterá os pagamentos mensais, mas já tem proventos agendados até março.
Reportagem
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