Dinâmica que surge espontaneamente em multidão pode ajudar a prever tumultos

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Todo mês de julho, na cerimônia de abertura das festas de São Firmino, em Pamplona, Espanha, mais de 5.000 pessoas se aglomeram na praça central da cidade. A multidão começa a manhã vestida de branco. Ao meio-dia, grande parte de suas roupas já está tingida de rosa pela sangria que flui livremente.

Os participantes do evento descreveram a aglomeração para o físico Denis Bartolo, da École Normale Supérieure em Lyon, França.

"A densidade de pessoas é tão alta que não é apenas desconfortável", afirmou o físico, com base no que lhe contaram —ele não ousou pisar na praça. "Torna-se doloroso, é como se você sentisse pressão no peito."

Ao longo de vários anos, ele filmou e estudou o festival com o objetivo de talvez um dia ajudar a prevenir tumultos que podem se tornar letais em grandes eventos públicos.

Em um artigo publicado na última quarta-feira (5) na revista Nature, Bartolo e seus colegas dizem que pode ser possível prever o movimento espontâneo de uma grande multidão em um espaço confinado quando a densidade de pessoas ultrapassa um limiar crítico.

Estudar multidões grandes e densamente compactas é difícil. "Você não pode simplesmente convidar mil pessoas para participar de um experimento", disse Bartolo. Mesmo que pudesse, "eu não saberia como garantir a segurança delas", acrescentou.

Por isso, as festas de São Firmino eram tão atraentes. O evento envolve milhares de pessoas que se reúnem previsivelmente a cada ano.

Bartolo e seus colegas instalaram câmeras nos balcões superiores de dois prédios em lados opostos da praça para filmar os participantes. "Se você der uma olhada no vídeo, de fato a dinâmica parece ser errática, caótica, turbulenta", disse ele. Contudo, ele se perguntou se poderia identificar um princípio organizador que governasse os movimentos da multidão.

Analisar as imagens apresentou um desafio semelhante ao de estudar o fluxo da água. "Claro que você não pode detectar a posição de cada molécula de água. É impossível", afirmou Bartolo.

Ainda assim, existem técnicas matemáticas do campo da dinâmica dos fluidos que permitem aos pesquisadores medir o fluxo de um material inspecionando sua direção e velocidade. Bartolo aplicou esses mesmos métodos ao festival.

As multidões se mostraram menos caóticas do que pareciam. Em vez disso, os pesquisadores detectaram oscilações circulares dentro do mar de pessoas. "Estamos falando de centenas, se não milhares, de pessoas, todas seguindo a mesma trajetória circular em sincronia", disse Bartolo.

Os movimentos orbitais, nos quais cada pessoa traça um círculo aproximado a partir de seu ponto de partida individual na multidão, levaram 18 segundos para serem concluídos naquela praça. O timing era tão confiável que Bartolo disse que "você pode ajustar seu relógio" à dinâmica dessa multidão, mesmo que os movimentos possam parecer inicialmente aleatórios.

A equipe de pesquisa, então, aplicou o que aprendeu a um tumulto mortal. Eles examinaram imagens de vigilância da Love Parade de 2010 em Duisburg, Alemanha, quando 21 pessoas morreram e centenas ficaram feridas em um tumulto. "E detectamos as mesmas oscilações", que surgiram pouco antes do tumulto mortal, disse Bartolo.

Quando os pesquisadores construíram um modelo matemático de mecânica de multidões, descobriram que acima de uma determinada densidade de pessoas, esses movimentos circulares emergem espontaneamente. Eles não dependem de alguma força interna ou externa, como pessoas empurrando ativamente umas às outras.

Como precaução de segurança, Bartolo sugere monitorar multidões densamente compactas para acompanhar esses movimentos orbitais. Detectá-los pode oferecer um aviso antecipado do surgimento de movimentos perigosos e incontrolados. Ao capturar as oscilações quando são pequenas, ele diz que os organizadores do evento poderiam pedir à multidão para se dispersar, ou ficar parada, antes que as órbitas cresçam em tamanho e levem a pessoas a serem esmagadas ou pisoteadas.

"Ainda não chegamos lá", disse Annalisa Quaini, matemática computacional da Universidade de Houston que não esteve envolvida no estudo, sobre a possível aplicação dessa pesquisa no mundo real. É uma coisa ter um local bem iluminado filmado com câmeras de alta qualidade. Mas imagens granuladas de segurança noturna, por exemplo, podem não revelar os movimentos circulares característicos.

Ainda assim, Quaini chamou a pesquisa de uma contribuição importante para entender o comportamento coletivo de multidões grandes e densas. "É um esforço enorme, e um dia seremos capazes de usá-lo de forma prática em um ambiente."

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