'Diário do Fim do Amor' pensa a literatura feminina ao tecer relatos pessoais

há 2 dias 3

Ingrid Fagundez se apresenta como diarista, uma pessoa que escreve diários. Apegada ao hábito desde a pré-adolescência, a agora professora de escrita criativa transforma esses registros pessoais em seu primeiro livro.

"Diário do Fim do Amor", lançamento da editora Fósforo, intercala trechos do diário de Fagundez sobre um amor encerrado com reflexões sobre esse gênero literário.

"Para escrever o livro, juntei as referências da minha infância e adolescência como leitora de diários com referências da minha pesquisa de mestrado sobre as relações entre a literatura e a realidade", conta.

O diário é um gênero de não ficção devido a sua intenção de relatar a verdade, por mais que esse seja um processo mais subjetivo do que objetivo. Pautado por impressões e sentimentos, o diário é uma forma de aprisionar os dias pela linguagem, segundo a autora.

Para o biógrafo francês Philippe Lejeune, diários são uma série de vestígios datados que expõem um conflito entre o tempo objetivo, aquele marcado pelos relógios, com o tempo da experiência.

No livro, a autora não usa datas precisas, mas se guia pela duração de um amor. Ela se refere aos anos um, dois e três —o início, o meio e o fim do relacionamento. "Fez mais sentido marcar o tempo do sentir porque o livro não se debruça sobre eventos externos, mas sobre o que acontece dentro da narradora."

Ao longo da obra, Fagundez insere trechos dos diários de outras mulheres escritoras, como Marina Colasanti, Simone de Beauvoir e Susan Sontag, em meio a seus relatos.

Essa reunião de vozes femininas se dá porque, historicamente, os diários serviram como espaços de preparação e experimentação de escritoras, onde elas aprenderam a fortalecer sua voz narrativa antes de apresentá-la ao público.

"O diário é esse caderninho protegido dos olhos dos outros em que você cria um diálogo com um outro possível", diz Fagundez.

Diferentemente dos livros, em que o autor sabe que está escrevendo para alguém que vai ler, o diário é escrito sem essa certeza. "O leitor pode ser você no futuro, sua irmã bisbilhoteira ou um neto que vai encontrar esse caderno numa caixa daqui a 60 anos", diz Fagundez.

Entre tantas experiências e casos amorosos colecionados ao longo da vida, a autora escolheu falar em "Diário do Fim do Amor" sobre uma paixão que coincidiu com sua formação como escritora. "Essa relação amorosa impulsionou minha aproximação com a literatura."

Para escrever o livro, Fagundez releu seus próprios diários de anos atrás. Foi um processo de estranhamento e reconhecimento. "Os diários ligam você a suas versões anteriores, mas também mostram que você mudou".

Hoje, ela vê na sua versão que escreveu o diário uma ingenuidade e um fogo nos quais não se reconhece mais.

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Enquanto o diário é um companheiro bondoso que aceita tudo —lamentações, hipocrisias, vitimizações e infinitas abordagens sobre o mesmo assunto— o livro exige um projeto.

Ao escrever "Diário do Fim do Amor", Fagundez entendeu que precisava tornar seu romance frustrado em algo além de sua experiência. O livro oferece um espaço onde o leitor pode projetar suas próprias vivências.

Fagundez escolheu falar da paixão como uma experiência humana. Para ela, o amor e o luto, dois grandes mistérios da existência, estão sempre presentes na vida e, consequentemente, nos diários. "A gente continua escrevendo sobre esses temas porque não consegue controlá-los. A literatura não cura, ela cutuca a ferida."

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