Os desastres climáticos deixaram de ser uma ameaça futura para se tornar uma realidade palpável e devastadora. As enchentes de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, que deixaram 183 mortos e um rastro de destruição de R$ 87 bilhões, são um exemplo claro de como mudanças climáticas e falhas estruturais caminham juntas na construção de tragédias. A ciência já havia alertado para os riscos de inundações em um estado com grandes bacias hidrográficas e extensas áreas urbanizadas em regiões vulneráveis. Ainda assim, a ausência de políticas de prevenção e manutenção de infraestruturas ampliou os danos.
A economia no Rio Grande do Sul mostra sinais de uma recuperação que é todavia insuficiente para lidar com o problema em sua raiz. Em 2024 o governo federal excluiu os custos das enchentes do cálculo do déficit primário, ajustando-o de 0,37% para 0,1% do PIB. A medida tratou o desastre como algo extraordinário, mas a ciência disponível é clara: eventos extremos como esse estão se tornando cada vez mais frequentes. Esse tipo de solução contábil não será sustentável no futuro, quando a recorrência de tragédias climáticas tornará inevitável sua incorporação ao planejamento econômico.
Se, por um lado, as enchentes no Rio Grande do Sul expuseram a fragilidade das políticas de gestão de risco, por outro, as queimadas no Centro-Oeste e no Norte do Brasil reforçam a gravidade do problema. Enquanto a água destrói no Sul, o fogo consome florestas e ecossistemas inteiros em outras regiões do país. Esses dois extremos climáticos —inundações e queimadas— têm algo em comum: a ausência de planejamento e a demora em integrar a ciência às decisões públicas.
O impacto, no entanto, vai muito além das perdas materiais. A saúde mental das populações afetadas é a outra face dos desastres climáticos. Estudos mostram que eventos extremos como enchentes e queimadas amplificam casos de ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático. O SUS (Sistema Único de Saúde), já sobrecarregado, enfrenta dificuldades para atender a essas demandas. A situação é ainda mais preocupante quando olhamos para populações mais vulneráveis como os jovens: desde 2011, o suicídio entre brasileiros de 10 a 24 anos cresce 6% ao ano, e as notificações de autolesões aumentaram 29% ao ano no mesmo período. Após a pandemia de Covid-19, esses números pioraram, evidenciando a fragilidade da rede de proteção social dos mais jovens.
E quando imaginávamos que o mundo rumava para uma transição energética e políticas de mitigação dos danos ao ambiente, nos inteiramos do programa de governo de Donald Trump! A maior economia do mundo enveredou pela rota do negacionismo climático e causou espanto com inacreditáveis retrocessos. Isso tudo semanas depois dos incêndios florestais que devastaram a Califórnia, com mais de 16 mil hectares consumidos e prejuízos econômicos contabilizados em bilhões de dólares.
O planeta aqueceu e o clima mudou. Nesse cenário, o Brasil, como um país tropical, está particularmente vulnerável. Projeções indicam que o Centro-Oeste, uma das regiões mais importantes para a produção agrícola, pode enfrentar aumentos de temperatura acima de 3°C. Essa elevação deve intensificar secas, prejudicar safras, comprometer recursos hídricos e agravar a instabilidade social. Ao mesmo tempo, ondas de calor —cada vez mais frequentes— já são associadas a um aumento de 7% nas internações psiquiátricas, evidenciando o impacto das mudanças climáticas na saúde mental.
A ciência já mapeou os riscos e apresentou soluções. Estudos mostram os caminhos para prevenir tragédias climáticas e mitigar seus impactos. O projeto de lei 5.002/2023, que propõe a Política Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres, é uma resposta promissora. Mas leis não bastam. É preciso criar consensos mais amplos para transformar conhecimento em ação. O planejamento urbano, a manutenção de infraestruturas, os sistemas de alerta e o fortalecimento da saúde pública devem estar no centro das decisões nacionais.
O tempo de tratar desastres climáticos como imprevistos acabou. As enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Brasil central são apenas capítulos de uma nova realidade climática. Sem integração entre ciência e política, outras regiões do país poderão enfrentar tragédias de proporções similares. A comunidade científica tem reiterado os alertas, resta saber se estaremos dispostos a ouvi-los.