A primeira vez que entrevistei Fernanda Torres, no início de janeiro, ela ainda era uma atriz e escritora famosa do Brasil. Hoje, exatos 57 dias depois, Torres é uma estrela de Hollywood.
Vi a transformação de perto, embasbacada com seu carisma e desenvoltura nos eventos em Los Angeles. Torres trazia sempre uma atitude leve, genuína e sem afetação, com muitas boas histórias para contar.
Torres estava a uma galáxia de distância das estrelas veteranas, inalcançáveis e quase sempre vazias por trás de todo o glamour, com discursos ensaiados e sem graça. Mas ela deixava todo mundo no chinelo.
A segunda entrevista que fiz com ela foi no tapete vermelho do Globo de Ouro. Ela fez piada com meu microfone improvisado, foi paciente com minha falta de traquejo com a câmera do celular e me deu uma bela entrevista ao lado do diretor Walter Salles.
Estava livre, leve e solta, curtindo uma festa que poderia ser o ápice da trajetória do filme "Ainda Estou Aqui" em Hollywood. Ninguém sabia que ainda viriam três indicações históricas ao Oscar —de melhor filme, melhor filme estrangeiro e, claro, a de melhor atriz.
No dia seguinte, depois da surpresa da vitória com o prêmio de melhor atriz de drama, começou a mutação. Fui atrás de Torres e Salles num festival de cinema em Palm Springs, cidade a uma viagem de carro de duas horas desde Los Angeles.
Torres me deu beijinho, eu disse parabéns e fiquei ali na cola, esperando a chance de mais uma entrevista que, naquele dia, não veio. Ela estava na correria, exausta, não ia dar tempo. Salles falou, disse que "Fernanda era a alma do filme". Naquele dia, só eu de repórter estava ali atrás dela.
Isso logo mudaria. Quando saíram as indicações ao Oscar, a atriz já experimentava o manto de diva. Agora, jornais e sites locais queriam saber quem era essa tal de Fernanda Torres, um nome que muitos ainda travavam a língua para falar, algo que conheço bem, por viver em Los Angeles há 15 anos.
Para a minha terceira entrevista com ela, eu estava bem ansiosa. Não só o Brasil, mas o mundo todo queria um pedaço de Fernanda Torres. Sua fama de simpática e divertida corria entre os jornalistas e conquistava todos.
Desta vez estava num festival de cinema em Santa Bárbara, também a duas horas de carro de Los Angeles, a 20 dias da cerimônia do Oscar. Torres receberia um prêmio por sua carreira ao lado de outros atores, e eu teria uma chance de falar com ela no tapete vermelho, com duas ou talvez três perguntas rápidas.
Eu era a última jornalista do tapete, instalada atrás de uma coluna, um espaço horroroso. Torres demorou para chegar em mim. Todos os jornalistas queriam falar com ela, e todos eram americanos.
E então chegou Ariana Grande, outra homenageada da noite. Torres fez a maior festa com ela. Por sorte, gravei a interação no celular, e então ela veio falar comigo. Confesso que estava nervosa. Era o auge da polêmica com Karla Sofía Gascón, atriz de "Emília Perez" e concorrente de Torres no Oscar.
Gascón havia caído em desgraça depois que os internautas resgataram publicações antigas de sua autoria com críticas à vacina contra a Covid-19, aos muçulmanos, a George, rosto do movimento "Black Lives Matter", e até a colegas de seu filme, como Selena Gomez.
Eu tinha que perguntar algo sobre isso. Quando estava no meio da pergunta, Torres sentiu o que vinha, me deu um drible, e respondeu com um comentário quase dadá sobre escovas de cabelos, num bom humor inquebrável.
A energia dela era tão grande, ela era tão gigante naquele tapete, que eu perdi o chão. O que perguntar para essa mulher? Quer ser minha amiga? Não. Perguntei sobre sua roupa.
Tapete vermelho
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Com a chegada da semana do Oscar, encontrá-la em Los Angeles virou uma missão impossível. Como ela mesma brincou, teve de se transformar num Pikachu, com todo mundo tentando capturá-la para uma foto, um vídeo, um comentário. Não a entrevistei mais.
No último evento público de "Ainda Estou Aqui", a 48 horas da cerimônia do Oscar, ela apareceu de surpresa num painel com Salles e os indicados ao Oscar de filme internacional. Seu assessor de imprensa americano, que me atura desde o início de janeiro, virou os olhos ao me ver e já foi avisando, "no interviews!", nada de entrevistas.
Eu só fiquei ali, gravando no celular a chegada triunfal de Torres, como uma paparazza tupiniquim ou, na verdade, uma brasileira muito orgulhosa de sua conterrânea xará.
Agora, na sala de imprensa da cerimônia do Oscar, vou esperá-la mais uma vez. Quem ganha Oscar passa por aqui após o prêmio para conversar com os mais de 200 jornalistas de inúmeros países. Mas, se não der nada, tudo bem. O filme já fez algo histórico e, no final, vi da janelinha nascer uma estrela de Hollywood.