Crítica: 'Um Homem Diferente' questiona ética e beleza, mas tem narrativa frágil

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Existe um limite tênue entre o tolerável e o abjeto em filmes que tratam de doenças. Um desequilíbrio de tom pode levar ao desrespeito, esperteza em excesso pode levar à irregularidade ou até mesmo ao fracasso retumbante.

Vejamos o caso de "Um Homem Diferente". É o terceiro longa de Aaron Schimberg, e o segundo a contar com Adam Pearson, ator que tem neurofibromatose, doença que causa deformações faciais.

Pearson, contudo, entra em cena apenas no meio do filme. O protagonista é Edward, personagem com deformidade facial interpretado por Sebastian Stan, que inicialmente aparece maquiado.

Edward se apaixona por sua vizinha, Ingrid, uma dramaturga iniciante interpretada por Renate Reinsve, que vimos há poucos anos em "A Pior Pessoa do Mundo", de 2021, de Joachim Trier. Ela não corresponde à paixão de Edward, mas o quer bem, como um amigo.

Quando Edward entra num procedimento estético radical, que revela, por trás da deformidade, um outro rosto, mais de acordo com os padrões de beleza de nossa sociedade, ele morre metaforicamente e passa a se chamar Guy Moratz.

Algum tempo depois, Ingrid escreve uma peça sobre Edward e está prestes a encená-la num teatro alternativo. Guy, que havia guardado a máscara feita com o seu próprio rosto deformado, acaba ganhando o papel na peça, desenvolvendo com Ingrid uma relação amorosa. Só ele, contudo, sabe que um dia foi Edward.

E então aparece Oswald, o personagem de Adam Pearson, atraído pela performance de Guy como Edward. Oswald passa a frequentar o círculo de amizades de Guy, conquistando todos à sua volta, incluindo Ingrid, com quem terá uma filha. A saúde mental de Guy desmorona. Se pudesse, talvez voltasse a ser Edward. Mas seu problema maior, ele descobrirá, nunca esteve na aparência física.

Com essa trama propositalmente confusa, ficamos diante de vários dilemas. Um deles é explicitado por Ingrid: se é errado escolher um ator com deformação facial para viver um personagem com a mesma condição.

O maior desafio de Schimberg, do ponto de vista ético, é não ultrapassar o limite que pode levar o filme ao desrespeito e até a se tornar abjeto. O próprio Pearson é seu aliado nesse processo, podendo deixar bem claro esse limite.

Há um lado didático na trama, presente sobretudo quando Edward, antes da cirurgia, mostra para Ingrid o vídeo institucional em que atuou, com outras pessoas com algum nível de deformidade facial.

Em questão está, evidentemente, a padronização da beleza. O que é ser belo para os outros e para si? De que modo as pessoas que não respondem a esse padrão são encaradas numa sociedade que cultua a perfeição a ponto de vender e comprar procedimentos estéticos com a facilidade de quem vende e compra pirulitos?

Mas há outra questão, um tanto mais complexa. De que forma o filme se blinda de críticas ao falar de deformação facial e ao colocar um ator com neurofibromatose?

Por esse viés, uma crítica ao filme seria tomada como insensível, politicamente incorreta ou sinal de falta de empatia, quando, na verdade, o que se deve colocar em crise é o que o filme teria de cinematográfico. E nesse ponto, percebemos que não é muito.

Ao promover um espelhamento de Oswald com Edward, em que a presença de Guy parece sobrar na equação, o filme entra num labirinto conceitual do qual ele mesmo parece não saber sair. Oswald e Edward (e depois Guy) usam até o mesmo tipo de roupa. Parece que compraram juntos a camisa xadrez.

O que pode ser considerado uma coragem do diretor em abordar o problema de frente, sem piedade ou condescendência, é também um motivo de enfraquecimento da narrativa, que parece se perder no caminho do enfrentamento, caindo na provocação mais pueril.

Frágil narrativamente, pior ainda na encenação, pois a câmera parece se perder também com a entrada de Oswald, fazendo movimentos sem qualquer sentido. Antes de representar o desespero do protagonista, o comportamento da câmera simboliza uma fraqueza do olhar.

Cinema não é só uma história bem ou mal contada, bem ou mal interpretada pelo elenco. Cinema é uma arte com características específicas e escolhas essenciais.

Essas escolhas, em "Um Homem Diferente", são equivocadas, principalmente na segunda metade, quando se procura mostrar que vale a beleza interior, mas de uma forma falsa. No processo, a personagem feminina se torna uma manipuladora.

É uma pena, pois a primeira parte sugeria um debate interessante a respeito da representação da deformidade em peças e filmes.

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