Em finais da década passada, fez algum sucesso entre jornalistas uma página no Facebook chamada "Eliane Brum para Preguiçosos". Era um desses empreendimentos que se tornam óbvios depois de realizados.
Dia após dia, no extinto site El País Brasil, a colunista Eliane Brum desenvolvia algum texto sério, importante (Brum foi das primeiras jornalistas a insistir na incontornável conexão entre temas sociais e ambientais) e, invariavelmente, palavroso. A colunista era prolixa a ponto de fazer perfis da revista Piauí parecerem resenhas da Ilustrada.
Era aí que entrava o esforço, digamos, jornalístico de "Eliane Brum para Preguiçosos". Em seguida a uma caudalosa coluna defendendo o distanciamento social, no início da pandemia, a página resumiu o texto assim: "Fica em casa. FIM".
Em 2018, para sintetizar um artigo de centenas de palavras crítico ao então candidato Jair Bolsonaro, a frase: "Ele não. FIM". E, meses depois, já com o pior governo da história do país em marcha, a fim de resumir o espanto e a indignação da colunista, a constatação: "Tá puxado. FIM".
Pois bem. "Natureza, Cultura e Desigualdades", texto de menos de cem páginas, é uma espécie de "Thomas Piketty para Preguiçosos". O volume reproduz uma conferência do economista francês em Paris, em 2022 —e impressiona pela brevidade.
Conhecido por ser prolixo, Piketty ajudou a trazer o tema da desigualdade para o centro das preocupações dos economistas ortodoxos há exatos dez anos, com o lançamento em inglês, em 2014, de um catatau de quase 700 páginas. "O Capital no Século 21" logo se um tornou um desses livros célebres, sempre mais citados do que lidos —uma das definições de obra clássica.
Entre as vantagens do novo livrinho está o fato de, premido pelas exigências de síntese, apresentar com bastante clareza talvez a ideia central do projeto de Piketty. O que o economista parece desejar, antes de tudo, é que seus leitores compreendam que as desigualdades de renda e de riqueza não podem nem devem ser naturalizadas.
As desigualdades econômicas não são o resultado de diferenças morais (maior ou menor preguiça), de competência (apenas) ou culturais. Elas são sempre, em toda parte, o resultado de distinções arbitrárias (e, portanto, injustificáveis) de poder.
O problema com a naturalização da desigualdade é que ela termina por ser fatalista. Argumentos de ordem "cultural", por exemplo —quando a cultura é tratada como característica perene e pouco maleável das diferentes sociedades—, são claramente conservadores.
Assim a Suécia teria uma "cultura" mais igualitária, própria talvez de uma sociedade homogênea; e o Brasil, por seu passado escravista, uma "cultura" menos igualitária. Sob o peso desses passados, o que se pode fazer? Cultura, sociedade e economia se ligam, nesses exemplos, em um argumento circular e aparentemente inescapável. É contra esse tipo de fatalismo que se volta Piketty.
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A desigualdade é sempre resultado da política e pode ser enfrentada e reformada no presente. Por exemplo, no orçamento público, talvez o grande mecanismo de criação e manutenção de desigualdades — ou de combate a elas. O Estado, ao cobrar impostos e redistribuir renda, pode servir para perpetuar iniquidades ou para ajudar a mitigá-las.
Não à toa, o grande exemplo do livro é retirado da história recente da Suécia. Em vez de paradigma atemporal de cultura igualitária, Piketty nos mostra que o país era, até o início do século 20, um caso típico de sociedade desigual —desigualdade econômica que derivava de uma radical desigualdade política, ligada a um curioso sistema censitário em que alguns aristocratas e proprietários rurais tinham direito, individualmente, a um maior número de votos do que o restante dos cidadãos.
Foi numa reviravolta política, com a chegada dos social-democratas ao poder, que o país passou a construir a sociedade igualitária que se tornaria célebre décadas mais tarde.
O caso sueco no fim das contas serve para ilustrar, também, as limitações e desvantagens de um texto tão breve. O leitor fica com vontade de saber como se deu a transformação "com incrível rapidez" daquela sociedade entre as décadas de 1930 e 1980, mas Piketty lamentavelmente não se ocupa dessa história.
Trata-se de um problema que o procedimento caricatural de "Eliane Brum Para Preguiçosos" ajuda a realçar: a partir de certo ponto, a condensação excessiva acaba por sacrificar não apenas a complexidade mas a simples exposição do argumento. Dizer pouco, às vezes, é deixar de fora um bocado de coisa relevante —um problema, aliás, que resenhistas costumam enfrentar.