Crítica: Quem foi Ivan Búnin, russo que ganhou Nobel com uma obra sensual

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Ivan Búnin foi um escritor marcado por contradições. Nascido no século 19 e apegado ao passado, foi um dos grandes nomes da prosa do século 20. Viveu grande parte de sua vida na Rússia, mas foi no exterior, como escritor exilado, que recebeu seu maior reconhecimento, o prêmio Nobel de Literatura em 1933.

Passado e presente andam de mão dadas na trajetória desse nome incontornável da literatura moderna, e essa cisão pode ser sentida em diferentes pontos de sua obra. "Alamedas Escuras", coletânea de contos escritos de 1938 a 1944, durante a Segunda Guerra, é um exemplo disso.

O volume, dividido em três partes, traz contos curtíssimos e uma pequena novela, sempre tematizando o amor em sua multiplicidade. E chega agora, pela primeira vez, aos leitores brasileiros pela Ars et Vita e com tradução direta de Irineu Franco Perpetuo. A edição conta ainda com o ótimo prefácio da professora Elena Vássina, da Universidade de São Paulo.

"Alamedas Escuras" é um livro de exílio. Escrito durante sua estadia em Paris, reflete a ânsia de Búnin por liberdade e a força do desejo que resiste aos anos e às intempéries da vida. Que momento é esse para falar amor, de sexo, de liberdade? É inevitável pensar que há um certo escapismo nessa escolha, mas "Alamedas Escuras" mostra mais complexidade do que isso.

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O amor não é uma fuga do real, mas parte da vida e, ainda, metáfora dela. O conto "O Cáucaso", um dos primeiros do volume, é um exemplo disso. A narrativa traz dois amantes que planejam uma fuga para
enfim serem felizes. Ao leitor, poucos detalhes. Há apenas medo, tensão —e tesão, importante dizer— e um plano.

O casal busca no amor sentido para continuar a vida, vê no encontro a coragem de ir tocando em frente. Em tempos difíceis, o que resta se não a fé na brevidade da dor? Búnin revela energia criadora para os anos mais difíceis da guerra, sem que a guerra de fato esteja dada como pano de fundo das narrativas.

Outra característica marcante de "Alamedas Escuras" é a descrição das paisagens naturalmente russas. Búnin se vê como um herdeiro do século 19 e deseja manter viva a grandiloquente literatura de Tolstói e Turguêniev, por isso localiza esse seu único livro de contos no seu país natal, a antiga Rússia imperial que havia tantos anos não existia mais e era apenas um retrato na memória dos russos exilados em Paris.

A neve que se acumula no chão, as árvores altíssimas, as residências dos nobres, as casas simples dos vilarejos são parte do cenário que Búnin descreve com minúcia —mesmo nos contos mais curtos.

Há ainda textos de mais fôlego, como a pequena novela "Natalie", que encerra a segunda parte do volume. Cheia de erotismo e sedução, "Natalie" aponta para aquilo que há de mais moderno neste autor e, certamente, o que mais o distancia de ser o guardião da grande literatura russa: a obra de Búnin é sensual.

Seu texto obedece ao desejo desavergonhadamente. Nada mais distante do senso comum que se tem sobre a literatura russa. Mas assim como o amor e o desejo são promessas de liberdade, a sedução irresponsável e a impossibilidade de amar estão no âmago do sofrimento de várias personagens.

Ivan Búnin é figura central para se entender o que foi o exílio russo do início do começo do século 20. Havia uma esperança de regresso que, com o passar dos anos, foi se desfazendo no ar.

Na França, Búnin, Téffi, Marina Tsvetáieva e tantos outros nomes importantes das artes russas tentaram manter vivas as lembranças de um país que não existia mais, vivendo em comunidades e criando em Paris uma pequena Moscou ("nossa cidadezinha", diria Téffi).

E faziam isso especialmente criando na literatura, como faz Búnin em "Alamedas Escuras", um espaço para se viver não no passado, mas em um lugar novo e antigo ao mesmo tempo, onde a contradição mais antiga da existência, o amor e a dor, pudessem revelar aquilo que há de mais humano em todos nós.

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