Em "Pisque Duas Vezes", seu primeiro trabalho na direção, a atriz Zoë Kravitz tece uma crítica ao poder que os homens bilionários supõem ter sobre os outros, mas, especialmente, sobre as mulheres. O trauma é fio condutor da trama.
O longa parte da perspectiva de Frida, vivida por Naomi Ackie, uma aspirante à manicure que nutre uma obsessão pelo gênio da tecnologia Slater King, encarnado por Channing Tatum. Mergulhado em um passado de polêmicas, ele se diz em busca redenção, com terapia e descanso em sua ilha privativa.
Em uma festa filantrópica em homenagem a Slater King, Frida e amiga Jess, papel de Alia Shawkat, se infiltram entre os convidados bilionários e topam uma viagem até uma remota ilha de King. É nesse cenário paradisíaco que o thriller se desenrola.
O personagem de Tatum é apresentado a partir do ponto de vista feminino e o teor das controvérsias que envolvem seu nome fica implícito.
A atmosfera é de desconforto, seja nas cenas com alto contraste de cores, no figurino sempre branco das mulheres —em alusão à imagens de castidade e inocência—, na perfeição da ilha de Slater King ou na simpatia dos personagens masculinos.
O longa, que originalmente se chamaria Pussy Island, ou Ilha da vagina, é criativo ao destacar a inquietação de um mundo que resiste a aceitar figuras femininas que tomam o controle de suas próprias vidas.
O trabalho de direção constrói suspense e não subestima o telespectador. É óbvio que as personagens estão em perigo, mas Kravitz consegue fazer cenas gráficas com certa sutileza, em diálogo com demandas do setor que debatem sobre o olhar masculino sobre cenas de violência contra mulheres.
Ainda que a narrativa seja previsível, há um frescor na história diferente de outros filmes que também usam o protagonismo feminino de uma forma retaliativa —como "Bela Vingança", "Vingança" e "Doce Vingança".
Com cortes secos e repetitivos, ótimo trabalho de edição de Kathryn J. Schubert nos mostra as mulheres com a ausência de contato com qualquer pessoa fora da ilha, sendo induzidas a lapsos de memória pelo uso de álcool e de drogas.
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É de se imaginar que um filme como "Pisque Duas Vezes" fosse associado ao rescaldo do movimento Me Too. Mas não só.
Ouve-se ecos das ideias de bell hooks, sobre a criação de narrativas femininas em que o valor está na quebra de normas patriarcais e racistas. É fácil ver as referências a nomes contemporâneos do suspense que vêm carregados de questões sociais, como "Corra!", de Jordan Peele, episódios das séries "Atlanta" e "Swarm", ambas criações de Donald Glover.
Talvez seja hora de reconhecer que essas histórias têm lastro próprio e não precisam de ganchos em acontecimentos históricos para merecer investimento e atenção.
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