Filmes em que o diretor faz uma declaração de amor ao cinema costumam ser muito bem aceitos. O público cinéfilo se identifica e se comove. De fato, o cinema já se celebrou em obras de altíssima qualidade, como "Cantando na Chuva", de Stanley Donen e Gene Kelly, "Minha Viagem à Itália", de Martin Scorsese, e "A Noite Americana", de François Truffaut. Não foram poucos os excelentes longas que mostraram a magia do cinema e como essa arte pode mudar vidas.
Mas a autocelebração já foi feita tantas vezes –e tem sido tão repetida– que surge a questão: o cinema ainda precisa de tantas homenagens? Que por vezes surgem como bajulações metalinguísticas em filmes em que os diretores, apesar das boas intenções, escancaram sua paixão por essa arte, mas em discursos redundantes, sem novidades ou com elementos já exaustivamente utilizados antes?
Seja como for, o francês Arnaud Desplechin, de "Reis e Rainha", achou por bem ele também fazer a sua ode. "Loucos por Cinema!" é um filme ensaístico, em que trechos de ficção se unem a outros documentais, que incluem entrevistas e cenas dos longas preferidos do cineasta.
O filme é meio bagunçado, embora não seja caótico em essência. Afinal, existe, por estranha que seja, uma estrutura organizadora de ideias no roteiro, com base na espectatorialidade. Ou seja: o tema não seria os filmes, mas nos efeitos e pensamentos que eles são capazes de gerar em quem os vê.
Contudo, o diretor parece tomado por uma certa dislexia diante do roteiro que criou, e o longa dá a impressão de perder seu objetivo central. Funciona em sobressaltos, como se cada nova parte fosse antes um soluço do que uma explanação sobre algo ou o desenvolvimento de alguma ideia.
O longa é mais vivo quando se limita ao seu tema e tem espectadores anônimos falando de sua experiência diante de filmes. Diante do que eles dizem, a visão pessoal de Desplechin parece menos interessante, talvez porque seja menos espontânea, elaborada nas cenas de ficção.
Além disso, a relação de Desplechin com o cinema traz o ranço de uma variedade de cinefilia já explorada em filmes. Aquele tipo que considera o suprassumo da poesia visual, por exemplo, a imagem de uma criança vendo uma projeção, no escuro, com brilho no olhar. Ou a do cinéfilo que bate no peito e brada: "Gosto mais de filmes do que da vida". Como se, quanto mais se detesta o mundo fora da sala escura, mais a pessoa merecesse um troféu de excelência cinéfila.
Desplechin parece ser uma dessas pessoas. Seu alter-ego de tantos outros filmes, Paul Dédalus, ressurge no longa, e em uma das cenas vemos o rapaz, ainda adolescente, querendo atrair jovens para uma sessão de "As Pequenas Margaridas", de 1966, da cineasta vanguardista tcheca Věra Chytilová. Na porta da sala, o rapaz reprova um amigo quando este diz que "quando amamos a vida, vamos ao cinema". Dédalus/Desplechin discorda: prefere a arte à vida.
Eis uma discussão que merecia mais ênfase, porque talvez exista um equívoco nessa ideia. Um cinéfilo pode até não gostar de viver a vida, de experimentá-la, de participar dela, mas é improvável que não goste do que lhe é próprio. Pois o que faz do cinema tão fascinante, afinal de contas, não é sua capacidade de reproduzir, como nenhuma outra arte, a vida? Ou criar novas, mas sempre a partir desta que conhecemos, com tudo o que tem de bom e ruim.
O filme até discute algo próximo ao tema, ainda que em termos mais abstratos, em uma cena meio constrangedora, quando jovens encontram em um café uma mulher lendo o mesmo livro sobre cinema que eles estão estudando, e então uma das garotas passa a lhe fazer perguntas filosóficas sobre a obra. As elucubrações, no entanto, nunca chegam muito longe. E o filme também se perde em trecho longo em que fala do quanto o documentário "Shoah", lançado em 1985 por Claude Lanzmann, marcou Desplechin.
Ainda assim, resta o cinema, e nem que por reproduzir trechos de filmes de mestres como Ingmar Bergman, Orson Welles e Abel Gance, o filme consegue de algum modo cativar. Ainda que terceirizado, o longa tem, sim, o seu fascínio.