Crítica: Ken Loach evoca Frank Capra com conto singelo da Inglaterra do brexit

há 4 meses 23

Ken Loach, o cineasta dos temas nobres, que sonha em mudar o mundo com o seu cinema de preocupações sociais, está de volta com "O Último Pub", seu primeiro longa após a pandemia, quatro anos passados do elogiado "Você Não Estava Aqui", de 2019, num dos maiores intervalos de sua carreira.

A trama mostra um estabelecimento do nordeste da Inglaterra chamado The Old Oak —na tradução, o velho carvalho— um pub que já teve melhores dias, numa cidade em franca decadência econômica.

A cidade não é nomeada no filme, pois não é isso que importa, mas as filmagens ocorreram em Durham e na vizinha Seaham, e a imponente catedral de Durham é locação de uma cena importante.

Quando essa pequena cidade localizada entre Newcastle e Middlesbrough recebe alguns refugiados sírios, Loach tem a oportunidade de voltar sua voracidade crítica aos preconceituosos que disseram "sim" ao brexit. A ambientação da trama em 2016, quando foi realizado o referendo, confirma a analogia.

Logo no começo, Yara, uma das refugiadas, interpretada por Ebla Mari, tem sua câmera fotográfica quebrada por um xenófobo. TJ, o dono do pub interpretado por Dave Turner, tenta ajudá-la, mesmo sabendo que parte de seus clientes acreditam na estúpida tese do "eles vêm para acabar com a nossa tranquilidade".

Como Loach filma frequentemente no norte da Inglaterra, onde o sotaque é muito forte, é comum vermos, principalmente em outros tempos, críticos e jornalistas ingleses escrevendo, jocosamente, que seria necessário legendas para entender o que seus personagens dizem.

E assim vamos, de preconceito em preconceito, de má vontade a incompreensões de toda a sorte, aprendendo um pouco mais sobre a mesquinhez humana.

Loach não é tolo, e mostra que para cada xenófobo há uma pessoa disposta a receber e ajudar, além de distribuir a xenofobia pelas faixas etárias, evitando o etarismo de achar que pessoas idosas são automaticamente mais reacionárias que as jovens.

Mostra também que de algum modo e com boa vontade, refugiados e locais podem se entender. Yara entende o inglês nortista de TJ muito bem. É meio inverossímil, mas o cinema pode mostrar coisas inverossímeis mesmo em sua faceta de crítica social. Afinal, trata-se de inclusão e um dado importante é compreender o outro.

Numa bela cena, Yara conhece a catedral de Durham e se encanta com a iconografia anglicana. É um exemplo de comoção pela beleza e interesse pelo outro que transborda humanidade. O otimismo de Loach, aliás, é frequentemente criticado por ser o contraponto ao exagero das posições reacionárias que mostra.

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Yara ouve o coro da igreja e se emociona ao ver pessoas de todas as idades cantando felizes. O contraste entre a bela construção que vê na Inglaterra e a consciência de seu país destruído por conflitos internos é de intensa dureza. Esse velho mundo novo é explorado pela moça com entusiasmo e curiosidade, mas a saudade de casa se torna mais dolorida a cada descoberta.

A trama acaba maltratando momentaneamente os de boa índole, mas Loach afinal veste as roupas de Frank Capra e trata de invocar o espírito solidário que pode haver em todas as pessoas.

Curioso que um cineasta como ele tenha saído um pouco de moda, sendo admirado apenas por aqueles que já o admiravam nos anos 1990, quando seu cinema era badalado em festivais internacionais.

Talvez Loach esteja melhor hoje, com as pequenas histórias de indivíduos comuns, como se fosse um Robert Guédiguian inglês, do que em seu auge, quando tentava entender os males da humanidade em filmes mais ambiciosos como "Terra e Liberdade", de 1995.

E no fundo a mudança não é drástica, pois os grandes temas continuam servindo de base para as pequenas histórias das pessoas comuns. O que parece é que agora ele equaliza melhor essa questão, com a sabedoria que vem com o tempo.

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