Crítica: Katy Perry em '143' mira nas pistas de dança em disco fraco e atrasado

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Em seu sexto disco, "143", Katy Perry chega atrasada nas tendências exploradas pela música pop nos últimos anos. O álbum entrega faixas dançantes, porém a festa da cantora não é empolgante: a sua trilha sonora soa como um apanhado genérico de ritmos em evidência.

O registro, que bebe do eurodance, EDM, house, hyperpop e trap, se apoia em artifícios familiares. A interpolação de "Gypsy Woman", clássico de pista da Crystal Waters, lançado em 1991, aparece em "I'm His, He's Mine", parceria com a rapper Doechiii. No entanto, há dois anos, Charli XCX apresentou "Crash" (2022), um disco inteiro baseado no uso de interpolação, técnica usada para recriar uma melodia que já existe.

O dance pop europeu, que fez sucesso nas pistas da primeira década dos anos 2000, à la Lasgo e Ian Van Dahl, surge em "Crush", "Lifetimes" e "Nirvana". Contudo, esse resgate se assemelha com "Future Nostalgia" (2020), penúltimo álbum de Dua Lipa. Já o trap comercial de "Gimme Gimme", feat com 21 Savage", e "Gorgeous", collab com Kim Petras, parecem auto plagios, releituras com batidas mais sombrias de "Dark Horse", do disco "Prism" (2013).

Muita água rolou nos quatro anos que separam "143" de "Smile" (2020), quinto disco da cantora. Para além das transformações pessoais, como viver a maternidade, o cenário da música foi alterado com as novas divas pop e pelas plataformas digitais. Para viralizar online, não basta ter a música, a voz e o corpo, é necessário ter autenticidade, entretanto essa nunca foi a característica mais marcante de Katy Perry.

Com 15 anos de carreira, a cantora desviou do caminho conceitual tomado por colegas da mesma geração, caso de Lady Gaga, pois preferiu manter o humor imaturo que a consagrou em "One Of The Boys" (2008). Inclusive, ela aborda esta questão em "Wonder", canção que encerra o registro: "Quando a gente for mais velho/ Ainda vamos olhar o mundo com fascínio?/ Alguém promete que a inocência não será perdida nesse mundo cínico?".

Se a música pop propõe escapismo e suspensão da realidade, a artista falhou na hora de conectar as influências de "143". O nome, referência mística ao mundo dos anjos, carrega a sequência de números recorrente na vida da cantora. Fora o aspecto esotérico e motivacional presente no trabalho, ela ainda incluiu nessa mistura acenos ao mundo digital.

A canção "Artificial" discute os impactos da tecnologia nas relações humanas de forma clichê. "Você me prendeu no seu algoritmo/ Você é real ou artificial?". Até mesmo os relacionamentos amorosos são abordados de forma caricata. Em "Truth", ela clama pela honestidade do parceiro: "Você não consegue nem me passar a senha do seu celular para não começar uma briga/ Quero a verdade mesmo que ela me machuque".

Ao longo de 30 minutos, o trabalho evidencia a falta de inspiração tanto nas letras, quanto na produção de Dr. Luke, responsável por 10 das 11 músicas. Parceiro de longa data da artista, ele é o arquiteto da sonoridade chiclete do "Teenage Dream" (2010). Porém em 2014, o produtor foi acusado de abuso sexual pela cantora Kesha, e o caso perdurou durante uma década na justiça.

Quão irônico é o fato que uma pessoa acusada de violência contra a mulher assina uma música chamada "Woman's World"? Lançada como single em julho, a canção explosiva, marcada pelo som vibrante do sintetizador, foi recebida com uma enxurrada de críticas, seja pelo seu teor sarcástico, quanto pelo videoclipe hipersexualizado.

O aspecto político não faz parte da trajetória da cantora, então a escolha foi mal calculada e se mostrou um tiro no pé. "Fogo nos olhos delas/ Divino feminino/ Ela nasceu para brilhar". Vestindo o lenço no cabelo e fazendo a pose da "Rosie, a Rebitadora", símbolo feminista da Segunda Guerra Mundial, Katy Perry sensualiza no cenário de uma construção em obras. A mensagem aqui é clara: não há limites para o mau gosto e nem para o humor.

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