Crítica: Em livro póstumo, Affonso Celso Pastore examina os dilemas do equilíbrio fiscal

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Em "Caminhos e Descaminhos da Estabilização", o economista Affonso Celso Pastore, que morreu em fevereiro deste ano, analisa dilemas que moldaram a condução da política econômica recente do Brasil.

Pastore examina alguns episódios históricos anteriores para ilustrar a gradual construção das instituições brasileiras com efetiva capacidade de conduzir as políticas monetária e fiscal e os obstáculos impostos por tais limitações institucionais.

Mas o livro se debruça principalmente sobre a estabilização da economia na década de 1990 e os desafios da manutenção de uma política fiscal equilibrada no século 21. Dessa forma, o autor complementa projeto iniciado em livro anterior publicado pela mesma editora, Portfolio-Penguin.

Um tema central no livro é como a formação e consolidação do regime do "tripé macroeconômico", a combinação de um regime de câmbio flutuante com metas de inflação e superávit primário, na virada do século, permitiu à economia brasileira superar o período da instabilidade inflacionária. O tripé foi um aperfeiçoamento institucional ao definir metas e separar claramente as atribuições das autoridades monetária e fiscal.

A última década, entretanto, tem testado a solidez do regime. A crise global de 2007-08 iniciou um ciclo de afrouxamento da política fiscal, especialmente com renúncias tributárias, que falharam em gerar crescimento e precipitaram o país em uma profunda crise econômica em 2014-16.

Já em 2019, um afrouxamento da política monetária gerou uma forte depreciação cambial em meio à pandemia em 2020, que retomou a deterioração do ainda frágil regime fiscal brasileiro.

Buscando espaço para o aumento dos gastos sociais, o governo anterior revisou metas fiscais e adotou instrumentos duvidosos como a PEC que limitou pagamentos de precatórios.

Essa também é a principal encruzilhada enfrentada pelo atual governo, que instituiu um novo arcabouço fiscal, sobre o qual ainda pairam dúvidas, para retomar a reconstrução do regime fiscal brasileiro diante de novas demandas sociais.

Pastore foi um observador privilegiado da condução da política econômica brasileira recente. Economista formado na década de 1960, teve participação ativa na formulação de políticas econômicas no estado de São Paulo e no governo federal durante quase duas décadas.

Como presidente do Banco Central de 1983 a 1985, vivenciou o período caótico da crise da dívida externa e observou na prática as limitações para o formulador de políticas em um contexto institucional pouco desenvolvido.

Após esse período, passou a se dedicar à universidade e sua própria consultoria econômica, mas permaneceu ativo no debate público. Diversas interpretações desenvolvidas no livro refletem visões que Pastore defendeu enquanto as políticas eram adotadas —como as críticas aos primeiros planos de estabilização e a insistência na necessidade de corrigir o problema fiscal crônico do Estado brasileiro para garantir a estabilidade conquistada após a criação do Plano Real.

O método de análise do livro também é coerente com o preconizado por Pastore em sua carreira acadêmica. Como observa Ilan Goldfajn no prefácio, o economista foi um notório defensor do uso da evidência empírica como base para uma análise científica da política econômica.

Na obra, Pastore apresenta a trajetória de diversos dados e índices econômicos como suporte para seus argumentos, assim como várias referências à literatura especializada recente. Com sua experiência na administração pública, também demonstra profundo conhecimento de detalhes institucionais da condução da política econômica.

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Ao fim do livro, os agradecimentos escritos por sua mulher, Cristina Pinotti, revelam o contexto da produção da obra.

Enquanto se recuperava de um problema de saúde a partir de janeiro de 2023, Pastore começou a escrever o livro. A decisão de encarar a árdua tarefa revela a devoção do autor ao seu papel de economista e intérprete da política econômica brasileira.

Embora o tom seja bastante impessoal, ao revisitar suas próprias interpretações da política econômica nas últimas décadas, o trabalho de Pastore carrega também um sentido autobiográfico.

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