No final de 1978, o regime totalitário do Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot, está em declínio por inúmeros motivos, incluindo uma guerra contra o Vietnã. Acentuou-se, durante esse ano, a perseguição a todos aqueles considerados inimigos do povo.
Em "Encontro com o Ditador", o diretor cambojano Rithy Panh mostra o encontro de três jornalistas franceses, Lise, Alain e Paul, vividos, respectivamente, por Irène Jacob, Grégoire Colin e Cyril Gueï, com Pol Pot, justamente nesse ano turbulento.
Eles respondiam ao convite do Khmer Vermelho, aparentemente para mostrar o regime como um modelo para o ocidente. Alain se correspondia há anos com o ditador e era, inicialmente, entusiasta de suas ideias.
Quando chegam, são instalados em quartos com trancas do lado de fora, como prisioneiros, mas depois iniciam entrevistas com trabalhadores e moradores. É como se tivéssemos, na ficção, a feitura de um documentário. Pol Pot, por outro lado, parece inacessível. E quando finalmente surge, está envolto em sombras.
O material publicitário informa que este é o representante do Camboja por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2025. Não quer dizer muita coisa. Tem cada abacaxi nessa categoria que muitas vezes parece mais um alerta do que outra coisa. Felizmente, o longa de Rithy Panh é instigante, tem força, crítica e inteligência.
Não é o primeiro longa do diretor a tratar diretamente do trauma. Pelo contrário. Em "S21: A Máquina de Matar do Khmer Vermelho", de 2003, ele procura entender por que houve tanta violência, sendo bastante crítico com o regime. Mas praticamente toda sua carreira reflete de algum modo o período autoritário de seu país.
Uma das maiores contribuições do cinema moderno quando predominante, nos anos 1960, foi a tentativa de rompimento das barreiras entre a ficção e o documentário. Se esse rompimento aconteceu ou não, pode-se discutir, mas talvez seja menos importante do que entender que a busca foi intensa.
Panh quase sempre se moveu entre um e outro, eventualmente alternando os registros num mesmo filme. Geralmente se sai melhor na parte documental.
Seu forte é justamente o documentário transformado pela ficção. Isto acontece em "S21: A Máquina de Matar do Khmer Vermelho" e sobretudo em "A Imagem que Falta", de 2013. São filmes identificados justamente com o documentário.
Quando faz o contrário, como acontece em "Condenados pela Esperança", de 1994, seu primeiro filme de destaque internacional, e em "Uma Barragem contra o Pacífico", de 2008, com Isabelle Huppert, costuma ficar no meio do caminho.
Mais do que um retorno à ditadura de Pol Pot, "Encontro com o Ditador" é uma nova tentativa de fazer uma ficção transformada, ou até transfigurada, pelo documentário. Menos por ser uma ficção baseada num encontro que realmente aconteceu do que pelos mecanismos que o diretor utiliza para apresentar a história ao público.
É uma operação interessante inverter a lógica que predomina no entendimento mais comum ao espectador. Normalmente, o documentário é associado à verdade e a ficção à mentira. Sabemos que não é bem assim, pois há verdade e mentira na ficção, no documentário e nos filmes que procuram abolir os limites entre um e outro.
O que acontece neste filme é que o documentário nos mostra a mentira, a propaganda de um regime vendido como perfeito. E a ficção, ou seja, a interpretação dos atores, suas reações e seus temores, nos dá a verdade, ou melhor, uma certa noção da verdade. E esta, inalcançável, vem sob a forma da crítica, que desmonta a farsa e conserva uma versão para ser contada a posteriori.
Quando Lise faz perguntas mais desafiadoras a uma das revolucionárias, por exemplo, esta a repreende dizendo "você faz muitas perguntas". O corte nos leva, antes mesmo que a revolucionária termine de falar, aos bonecos que já haviam aparecido antes, herança de filmes passados, notadamente "A Imagem que Falta". Esses bonecos representam pessoas mortas.
Por causa dessa inteligência na direção e na exploração das possibilidades de montagem, "Encontro com o Ditador" surge como o primeiro lançamento imperdível de 2025.