Crítica: Didier Eribon faz ensaio de dor e beleza profunda sobre a velhice da mãe

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Didier Eribon e os irmãos decidem internar sua mãe em uma clínica de repouso para idosos. A decisão é tomada frente à crescente debilidade física dela, mas contra seu desejo de seguir em Reims, vilarejo em que residia e que serviu de cenário para um dos mais famosos livros do intelectual francês, "Retorno a Reims".

A incômoda decisão é tomada diante dos custos do envelhecimento, que impediam a mãe de ficar só, e da impossibilidade de os filhos se dedicarem integralmente ao cuidado dela. É este o impasse apresentado no ensaio "Vida, Velhice e Morte de uma Mulher do Povo".

Eribon cria um texto híbrido, que conecta biografia, sociologia, literatura e pensamento filosófico. A partir do drama real de um filho que vê a mãe definhar, o autor francês abre conexões que reconstituem a dificuldade de ser idoso numa sociedade pautada pelo louvor à jovialidade do corpo.

Para além da trama da mãe, cujo porta-voz é Eribon, lidamos com a complexidade dos sentimentos vividos pelo próprio escritor, como a angústia, a vergonha e a culpa.

O trabalho do autor —prestigiado sociólogo conhecido por sua biografia de Michel Foucault e por livros que dialogam com Claude Lévi-Strauss, Simone de Beauvoir e Pierre Bourdieu— cria uma rica análise social e filosófica, cuja mediação pela literatura permite caminhos incomuns para obras de caráter mais acadêmico.

Sua personagem-título não tem o nome revelado. Essa "mulher do povo" é uma metáfora do banimento social e das representações negativas a que estão expostas as pessoas idosas e as classes trabalhadoras. Sua internação em uma clínica marca uma oportunidade infeliz de, a partir de um choque emocional, ficarmos diante de sua história.

A mudança para a casa de repouso tira a mulher de sua antiga morada, a afasta de seus objetos pessoais e força o início de uma nova etapa em sua vida. "Quem é levado para esse lugar de repente se encontra desenraizado do seu mundo familiar", escreve Eribon. A partir daí, emerge um turbilhão de emoções, nas quais se destacam o desenraizamento, a desvinculação e o abandono.

Tais sentimentos recrudescem a identidade pessoal da mãe, isto é, diminuem o que é tratado como "território do eu". Se a identidade é construída pelo acúmulo das experiências plurais, no texto de Eribon, vemos o contrário —com a internação, há uma perda das referências que permitem a um sujeito se distinguir de outro.

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O retrato é dolorido porque confirma o fim da autonomia e da liberdade. Simultaneamente, o ensaio introspectivo não se esquece da realidade imediata e tece críticas aos sistemas públicos e privados de saúde e à precariedade das relações de trabalho.

Ainda que Eribon faça um relato doloroso sobre a velhice e morte da mãe, ele não é fatalista. De certa forma, o autor compreende suas lacunas ("na realidade, sabemos muito pouco sobre nossos pais") e, ao tentar reconstituir a trama dessa personagem íntima, invoca situações de profunda beleza.

Ora pelas conversas nostálgicas, ora com perguntas metafísicas feitas diante de uma árvore frondosa, ora na descoberta de uma surpreendente paixão aos 80 anos, há uma persistente busca pela dignidade da mãe, levando sua história para além dos estereótipos ligados à classe social. Nesse sentido, a origem operária e pobre de Eribon é valorizada em perspectiva, como um compromisso político.

As dinâmicas de classe, os capitais simbólicos e culturais, as tensões entre ascensão social e local de origem, tão comuns ao trabalho do autor, não passam despercebidos no livro. Elas estão ali —até mesmo na linguagem—, balizando as desconexões e os desconfortos em uma elaboração biográfica. A história é interpretada a partir de sua mãe, mas também contra ela e por ela.

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