Crítica: Clint Eastwood retorna e questiona a verdade no primoroso 'Jurado Nº 2'

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Clint Eastwood é um dos cineastas mais amados e mais incompreendidos em atividade. Muitos rejeitam seus filmes mesmo antes de ver, outros têm pouca paciência para os dramas que ele desenvolve como poucos.

Talvez esteja nesse "como poucos" a origem das falsas percepções que rondam seus filmes: roteiro mal estruturado, inverossímil, exageros nas soluções dramáticas, queda no melodrama familiar em alguns momentos. Não se percebe que por trás da aparência de simplicidade, há muita originalidade em seus melhores filmes.

Seu último longa, o sublime "Jurado Nº 2", é vítima da mesma má vontade, estreando diretamente numa plataforma de streaming. É mais do que desrespeito, é desconhecimento de sua carreira, da arte cinematográfica, enfim, um tremendo mau senso, para dizer o mínimo.

Nicholas Hoult interpreta Justin Kemp, o jurado do título. Convocado para o julgamento de um crime em Savannah, Georgia, onde mora com a esposa grávida, ele começa a lembrar da noite do crime, percebendo ser ele o verdadeiro culpado.

Ele não havia atropelado um pobre veado que cruzava a estrada imprudentemente numa noite de chuva e pouca visibilidade, mas a moça que ia para casa sozinha após brigar com o namorado.

Como não pode se entregar, pois tem antecedentes envolvendo alcoolismo que o condenariam a um longo tempo na prisão, trata de lutar pela absolvição do réu, invertendo a máxima que parece prevalecer no corpo de jurados, a de que uma pessoa é culpada até que se prove o contrário.

"Jurado Nº 2" é um primor de forma e estruturação. Desde os créditos iniciais, com a estátua da Justiça de olhos vendados, e a esposa entrando no quarto do futuro filho com os olhos igualmente vendados, na primeira cena, Eastwood trabalha com uma série de associações ou espelhamentos.

Vemos uma promotora e um advogado de defesa cegos em suas convicções. Ambos igualmente de olhos vendados, agarrados em suas certezas. Eastwood acentua a associação com uma montagem paralela na hora das argumentações finais.

A paridade mais espantosa está entre réu e o protagonista. Ambos tiveram passados de que se envergonham, e afirmam que hoje estão mudados. Até que ponto essa mudança pode ser afetada pela injustiça em que estão diretamente envolvidos?

Logo no início, a esposa grávida apaga a luz da cozinha quando o marido ia lavar a louça, refletindo, talvez, um desejo inconsciente de que ele também fique com os olhos vendados no julgamento. Que julgue com frieza e imparcialidade ou que ajude a apressar a deliberação?

De todo modo, a cena está no filme por um motivo: ainda os olhos vendados. Não há gorduras. Cada diálogo, cada gesto, por mais banal que seja, tem uma função narrativa. Esta é uma das tramas mais bem amarradas que o cineasta filmou.

Por que o filme seria inverossímil? Será por Eastwood confiar no poder do acaso, na coincidência de um homem que atropelou uma pessoa sem saber ser jurado de um caso de suposto assassinato da pessoa atropelada? Ora, há acasos muito mais impressionantes na vida de todos nós. Por que, num filme, um acaso é chamado de inverossímil?

O que temos, em diversos níveis, é o horror de julgar pelas aparências, de condenar sem pensar duas vezes, de se fechar a outras possibilidades. O acusado é jovem, forte, tem histórico de violência, logo, um assassino em potencial.

O jurado interpretado por J.K. Simmons percebe algo estranho no caso. É o único. O protagonista só vota pela inocência porque deduziu a história toda a partir da própria experiência. Já a promotora interpretada por Toni Collette, inicialmente obcecada pela condenação e por sua ascensão política com o caso, começa a pensar melhor depois, sob o peso da evidência.

Como Henry Fonda em "Doze Homens e Uma Sentença", 1957, de Sidney Lumet, o protagonista de "Jurado Nº 2" é o único a votar pela absolvição, e argumenta pelo benefício da dúvida.

O desenlace, contudo, é bem diferente ao do filme de Lumet. Eastwood nos mostra um drama moral que envolve culpa, redenção, regeneração e busca pela verdade. Com isso, o filme se afasta da objetividade de Lumet e se aproxima de Fritz Lang, diretor que, já nos anos 1930, sobretudo em "Fúria", de 1936, mostrava os Estados Unidos como uma nação de linchadores.

A inspiração em "Rashomon", 1950, de Akira Kurosawa, é forte no começo, com as diferentes versões dadas ao mesmo episódio. Mas vai até certo ponto. Já a inspiração em "Consciências Mortas", 1943, de William A. Wellman, outro de seus filmes preferidos, vai se insinuando aos poucos, tornando-se mais clara no decorrer do enredo.

Mas é mesmo com Lang que o filme cerra fileiras. Como em "Almas Perversas", 1945, Eastwood fala da permanência da culpa. O que é justiça, afinal? Em Lang, essa questão chegaria ao ponto máximo em "Suplício de uma Alma", 1956, seu último filme americano.

Como um mestre, em "Jurado Nº 2" Eastwood encaminha o drama para um desfecho surpreendente, dos mais brilhantes de sua brilhante carreira. Sem saídas fáceis, nem apaziguamento do espectador.

Há quem não perceba que ele é um dos maiores cineastas vivos. A esses, só me resta torcer para que façam como a promotora vivida por Toni Collette: atentem às evidências.

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