A capacidade imaginativa necessária para entender como outros animais interpretam a realidade supera qualquer coisa que a ficção científica já tenha criado. Retratar os universos paralelos em que cada espécie está imersa é algo que exige uma combinação rara de precisão e poesia.
E esse é o grande trunfo de "Um Mundo Imenso", livro do jornalista de ciência britânico Ed Yong –uma obra que cumpre exatamente o que promete no título.
O conceito central do livro tem um imponente nome germânico: "Umwelt". Cunhado em 1909 por Jakob von Uexküll, um zoólogo estoniano de origem alemã, o termo é usado para destacar o fato de que cada animal vive dentro de uma bolha sensorial específica —um recorte das possibilidades de percepção oferecidas pelo "mundo lá fora", que nunca corresponderá ao todo da realidade.
Para exprimir isso, Uexküll comparava as espécies animais a uma série de casinhas. "Cada casa tem um certo número de janelas que se abrem para um jardim: uma janela de luz, uma janela de som, uma janela olfativa, um grande número de janelas táteis", escreveu o zoólogo. "O jardim que surge aos nossos olhos é fundamentalmente diferente daquele visto pelos moradores da casa."
Yong, também zoólogo de formação (com um mestrado em bioquímica), usa a ideia de "Umwelt" não para mostrar as limitações inevitáveis da percepção e da compreensão humanas, mas para argumentar que o mergulho nas bolhas sensoriais de outros seres vivos não só é possível como libertadora —e enriquecedora.
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"Existem animais capazes de escutar sons naquilo que nos soa como um perfeito silêncio, de enxergar cores no que nos parece uma escuridão total e de sentir vibrações no que, para nós, é uma paisagem completamente parada", escreve ele.
"Cada espécie está sujeita a restrições em alguns aspectos e vantagens em outros. Por isso, este não é um livro de listas, no qual exaltamos os animais apenas quando suas capacidades superam as nossas. Este não é um livro sobre superioridade, mas sobre diversidade."
É esse o mundo imenso do título (expressão emprestada, aliás, do poeta e místico William Blake, nascido em 1757). Trata-se de uma diversidade que parece rivalizar com a que produziu as dezenas de milhões de espécies vivas hoje, capaz de deixar zonzos os mais incautos.
Alguns dos "Umwelten" descritos por Yong são, ao mesmo tempo, próximos do nosso cotidiano e profundamente estranhos.
Sem trabalho científico detalhado, por exemplo, quem imaginaria que a configuração das narinas dos cães domésticos é tal que parte do ar que eles inalam é desviada para um compartimento separado, cuja única função é peneirar o ar em busca de cheiros? Nossas experiências olfativas são sempre intermitentes, escreve Yong, enquanto qualquer vira-lata fareja o mundo num fluxo constante e inconsútil.
Há coisas muito mais malucas do que isso, é claro. Milhões de espécies de insetos simplesmente não contam com o sentido da audição, mas o simples ato de colocar perto deles microfones suficientemente sensíveis revela toda uma sinfonia de barulhinhos e vibrações que às vezes lembram vacas mugindo, buzinas de carros ou análogos ainda mais disparatados.
E existem coisas que simplesmente não se encaixam na velha lista de cinco sentidos que decoramos desde pequenos, mas são tão reais quanto a visão e a audição: a detecção de sinais elétricos e de magnetismo, por exemplo, ou do ultravioleta e do infravermelho, que olhos humanos jamais verão diretamente.
A grande ironia é que, quando o assunto é biodiversidade, é sempre muito mais fácil destruir do que compreender. Yong explica como a poluição sensorial de origem humana, em especial a luminosa e a sonora, tem lançado um véu sobre os "Umwelten" de incontáveis espécies nos últimos séculos.
A generosidade imaginativa trazida pela compreensão desses universos paralelos traz consigo o imperativo ético de permitir que eles continuem existindo.