Se há algo que a temporada do Oscar deste ano nos ensinou, é que quando as polêmicas em torno de um filme parecem mais interessantes do que o filme em si, temos um problema. Ou melhor, a Disney é que tem. E são vários problemas.
Se não fosse o burburinho dos bastidores, "Branca de Neve" passaria batido. Afinal, é só mais uma das inúmeras refilmagens em live-action —com atores de carne, osso e computação gráfica– das animações clássicas da Disney.
A fórmula é quase sempre a mesma. Alguns nomes reconhecíveis, tudo filmado em tela verde —para que os efeitos digitais sejam inseridos na pós-produção, por artistas explorados e sem organização sindical— além da obrigatória reinterpretação progressista da história.
Já no início de "Branca de Neve", a narração da protagonista diz que, em seu reino, os donos da colheita são aqueles que trabalharam nela —Bob Iger, CEO da Disney, deve ter dado uma boa gargalhada. É evidente que o conglomerado não compactua dos mesmos valores que a princesa, mas a indignação da direita se provou uma eficaz estratégia de marketing.
Na versão dirigida por Marc Webb, antes da Rainha Má aparecer, o reino de Branca de Neve era uma verdadeira utopia comunista. Todos compartilhavam tudo e ninguém passava fome. Nas ruas, havia dança e cantoria. É isto mesmo, o trailer oficial tenta disfarçar, mas a refilmagem é um musical do início ao fim. Não são apenas números isolados.
Entre os produtores de "Branca de Neve", está Marc Platt, conhecido por "Wicked". Mesmo para quem odeia musicais, no entanto, as músicas não são a pior parte. As letras até que são divertidas e bem humoradas. "Princess Problems", ou "problemas de princesa", lembra "Burguesinha", de Seu Jorge.
A pior parte, e o que afunda "Branca de Neve", é a solução que encontraram para não reforçar estereótipos de pessoas com nanismo. Os sete personagens típicos não são interpretados por atores, mas por criaturas grotescas, de uma espécie humanoide, feitas em computação gráfica.
Os traços são estilizados, semelhantes aos do desenho original, mas o estilo é hiper-realista. Ou seja, estes seres míticos, sem relação com o nanismo, são como caricaturas. Só que com poros na pele e cílios minuciosamente detalhados. É de causar uma estranheza que não passa.
Como Branca de Neve, Rachel Zegler até que é razoável, mas a sua atuação é prejudicada quando tem de interagir com os "anões" —que, é claro, não estavam presentes no set de filmagem.
Gal Gadot, que faz a Rainha Má, até arrisca um tom de voz mais grave. O papel que seria um presente para qualquer diva, contudo, é desperdiçado numa atriz com o carisma de uma porta. Uma porta muito bonita.
A releitura também dispensa o príncipe encantado de armadura reluzente. O interesse romântico da princesa é, desta vez, um ladrão e rebelde, vivido por Andrew Burnap, que é quase um clone de Cary Elwes, em "A Princesa Prometida".
Para retomar o reino que era de seu pai, Branca de Neve lidera uma revolução popular para destituir a rainha. A beleza, que o Espelho Mágico se refere, não pode ser superficial. Tem a ver com um conjunto de qualidades que a própria Disney perdeu há tempos, como a coragem e a justiça.
Apesar da repaginada à esquerda, com até o Dunga fazendo um discurso revolucionário, a simplicidade dos figurinos das personagens revela que a verdadeira intenção da Disney com "Branca de Neve" não é inspirar uma nova geração de meninas —é vender mais brinquedos.