"Novo Mundo" é um álbum que traz um pacote de boas novidades para os fãs de Arnaldo Antunes. Ele volta a reunir uma banda para acompanhá-lo, apresenta uma safra de canções em formato pop e com um uso inventivo de sintetizadores, como nunca na carreira, e traz em duas faixas uma parceria valiosa: canta com David Byrne. Não é pouca coisa para um álbum só.
Depois de praticamente passar quatro anos trabalhando com o pianista Vítor Araújo, com quem gravou em 2021 o álbum "Lágrimas ao Mar" e excursionou dentro e fora do Brasil, a opção pelo "modo banda" inevitavelmente iria trazer algo completamente novo ou talvez um resgate de seu passado mais, digamos, rock’n’roll. E o resultado é uma mistura das duas coisas.
Os eleitos para essa nova fase são velhos colegas de palco e estúdio: Vitor Araújo nos teclados, Betão Aguiar no baixo, Kiko Dinucci nas guitarras e efeitos eletrônicos, e Pupillo, que, além de cuidar de bateria, percussão e programações, assume a produção do álbum.
Uma banda da pesada, e que provavelmente deve proporcionar a Antunes a chance de continuar um pouco no clima da consagradora e recente turnê de reunião dos Titãs em grandes arenas. E é fácil perceber algo titânico nas faixas.
A música que dá título é a primeira a tocar, e há estranheza. O novo mundo proposto na letra remete a desolação, que compõe um clima um tanto tétrico com a música marcada por sons sintetizados. O rapper Vandal participa e há uma citação de sua "MUNDANOH".
Mas em seguida vem "O Amor É a Droga Mais Forte", e o Antunes dos versos enxutos e certeiros dá as caras com "O destino faz sua parte/ fora isso só mesmo a sorte/ mais que isso só mesmo a morte". É o artista usando suas ferramentas habituais para fazer coisas novas.
"É Primeiro de Janeiro", um dos pontos altos do disco, tem a típica arnaldice de uma letra singela que fala de sentimentos recorrendo a ações triviais: "Joga fora a roupa que não cabe mais/ é primeiro de janeiro / tira a máscara da cara e fica em paz/ com seu rosto verdadeiro". Esse mesmo clima "para cima" aparece também em "Pra Não Falar Mal", canção em que Antunes divide os vocais com Ana Frango Elétrico.
É bom destacar logo a parceria que mais surpreende, apesar de na essência fazer todo o sentido. Antunes tem dois duetos com David Byrne. São letras bilíngues, em "Body Corpo" e "Não Dá pra Ficar Parado Aí na Porta". São canções de levada percussiva, de autoria creditada aos dois artistas. Duas ótimas faixas, que devem funcionar muito bem no palco.
Há uma graça nessa associação, porque, nos anos 1980, era evidente a influência de Byrne em Antunes, principalmente visual. O então titã gostava de usar ternos muito largos como aqueles que o líder dos Talking Heads envergava nos shows, e havia semelhanças em uma dança meio "robótica" diante do microfone.
"Tire o Seu Passado da Frente" volta sem escalas aos anos 1980. Rock acelerado com o teclado sendo martelado sem parar. Mas a viagem nostálgica é interrompida a partir da metade da faixa, quando a melodia é substituída por percussão e vocais guturais. Entraria sem sustos nos melhores álbuns dos Titãs.
O repertório traz um tipo de canção recorrente no trabalho do compositor, que é feita com versos muito curtos. Como nas românticas "Acordarei" e "Para Brincar", com aquele filtro juvenil de Antunes para falar sobre amor, e "Viu, Mãe?", parceria com Erasmo Carlos que radicaliza na opção de ter apenas uma palavra em cada verso.
Outra bela música de versos enxutos é uma das parcerias mais familiares no trabalho de Antunes. Ele e Marisa Monte cantam "Sou Só", uma balada impecável. E a delicadeza da canção só se acentua ao ganhar um arranjo com violinos, viola e cello. Mais Tribalistas impossível.