Em 2023, a área média desmatada no Brasil foi de 5 mil hectares por dia – ou 228 hectares por hora –, segundo dados do último Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas. E o número alarmante não é nenhuma novidade: nos últimos cinco anos o país perdeu mais de 8 milhões de hectares de vegetação nativa, o que equivale a duas vezes a área do estado do Rio de Janeiro.
Não surpreende que toda essa devastação gere impactos no clima do país –e do mundo. É nessa seara que surgem estratégias de mitigação das mudanças climáticas, como reflorestamento e geração de bioenergia com captura de carbono da atmosfera. Jonathan Levine, ecólogo, é um dos pesquisadores que investigam essas estratégias.
Professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Levine é especialista em identificar processos fundamentais que regulam sistemas naturais complexos. Em outras palavras, ele investiga as forças ecológicas que atuam para manter em funcionamento sistemas altamente biodiversos.
Seu grupo de pesquisa busca entender como os impactos das ações de mitigação das mudanças climáticas se relacionam com os impactos causados pelas mudanças climáticas em si. O objetivo é identificar as várias adaptações que as comunidades ecológicas -populações de diferentes espécies que ocupam o mesmo espaço- poderão desenvolver nas próximas décadas para lidar com os efeitos dessas alterações do clima.
Ou seja, ele busca entender como as mudanças climáticas alteram os comportamentos dessas comunidades. E, nesse tipo de estudo, importam menos quais são as espécies, e mais as relações entre elas. "Usamos essas informações para investigar tanto o impacto dos desafios ambientais na biodiversidade [basicamente tudo aquilo que gera desequilíbrio, como o aumento das temperaturas e desmatamento] quanto a projeção de sistemas ecológicos no futuro", explica.
Para pesquisar essas relações, Levine conduz experimentos controlados que permitem vincular teoria e dados empíricos. Um deles foi feito nas pastagens alpinas, na Suíça, onde os ecossistemas se compõem de espécies que irão experimentar algum tipo de impacto das mudanças climáticas, mas não se sabe ainda bem qual.
O que Levine e seu grupo de pesquisa fizeram na prática foi transplantar grandes trechos de vegetação de pradarias alpinas para altitudes mais baixas, onde as temperaturas são mais altas, com o intuito de simular as mudanças climáticas nas montanhas. Os experimentos trouxeram mais clareza sobre a competição por recursos e os possíveis destinos das espécies nessas comunidades.
Sabe-se, por exemplo, que as temperaturas mais altas podem favorecer ou desfavorecer a fotossíntese das plantas. Mas descobrir como cada espécie vai de fato reagir ao novo clima é apenas o primeiro passo.
A compreensão de sistemas naturais complexos implica conhecer os efeitos dessas mudanças na relação de concorrência entre as espécies. "Um dos grandes desafios é compreender os impactos tanto das respostas diretas de cada espécie (de plantas, por exemplo) às mudanças climáticas, quanto o que suas vizinhas fazem quando também respondem a essas alterações", explica Levine. "Isso pode ser até mais importante do que a resposta individual de cada uma."
Ferramenta crucial nessa investigação é a matemática. Apesar de não se considerar especialista em modelos matemáticos, Levine diz que eles são fundamentais para fazer inferências sobre sistemas ecológicos. "Enquanto realizo ecologia empírica, de campo, penso muito sobre a relação dos modelos com os tipos de medições que podemos fazer na natureza", conta.
Esse não é um posicionamento tão comum. Segundo ele, muitos pesquisadores escolhem a ecologia porque gostam da modelagem matemática ou porque gostam de estar ao ar livre, fazendo abordagens experimentais. Poucos estão igualmente interessados nos dois lados - e a equipe de Levine reúne pesquisadores justamente com essa característica. "É nessa interface que precisamos avançar se quisermos ter uma visão coesa do campo no futuro", defende.
Questionado sobre esse futuro, o pesquisador conta que por muito tempo a ecologia foi um campo abstrato –não tinha necessariamente o objetivo de gerar uma solução para problemas socioambientais. Mas, cada vez mais, a nova geração vem sendo motivada por desafios que exigem resoluções práticas.
"Temos que reconhecer que o contexto em que fazemos nossa ciência –atual crise climática– está moldando quem começa a fazer ciência e o que vai ser empolgante para essas pessoas", ele diz. "Creio que o ecólogo de amanhã será alguém motivado pelos desafios ambientais, que usa o conhecimento e as ferramentas quantitativas desenvolvidas ao longo do último meio século para alcançar um progresso efetivo."
Jonathan Levine esteve no Brasil em fevereiro de 2024 para dar aulas de ecologia de comunidades a alunos da Formação em Ecologia Quantitativa, promovida pelo Instituto Serrapilheira.
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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.
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