Criador do termo 'ultraprocessado' rechaça proposta nutricional sugerida por Fundação Novo Nordisk

há 1 mês 7

Carlos Augusto Monteiro, epidemiologista criador do conceito de "ultraprocessados", questionou uma iniciativa de pesquisadores da Fundação Novo Nordisk de desconsiderar a atual tabela nutricional criada pelo brasileiro e propor uma nova, com a inclusão de cereais ultraprocessados.

Tudo começou com a publicação de artigos científicos e comunicados ligados à fundação com a proposta de uma nova escala de alimentos que podem ser considerados saudáveis ou não. Segundo Monteiro, a ação tenta incluir itens hoje considerados não saudáveis.

Em uma carta do dia 26 de fevereiro, Monteiro diz que a pesquisadora Arne Astrup, vice-presidente da Fundação Nova Nordisk, tem "evidente falta de conhecimento" e sugere que a organização esteja financiando projetos em prol da indústria de alimentos.

A Fundação Novo Nordisk é dona da Novo Holdings, acionista majoritária da Novo Nordisk, farmacêutica dinamarquesa que desenvolve e vende o emagrecedor Ozempic.

Monteiro diz que Astrup usa "autores, funcionários, consultores ou financiados por corporações que comercializam alimentos ultraprocessados" para tentar descredibilizar a tabela. Em nota, a fundação afirma que apoia pesquisas que desafiam os paradigmas existentes.

"Na Fundação Novo Nordisk, apoiamos pesquisas livres e independentes que possam melhorar a saúde humana e a sustentabilidade da sociedade e do planeta. Isso inclui pesquisas que desafiam os paradigmas existentes", afirma.

O que é a "Nova"

A classificação "Nova", desenvolvida por Monteiro e pesquisadores brasileiros, organiza os alimentos em quatro categorias. Os ultraprocessados são os menos nutritivos, associados a doenças, e compõem o quarto grupo da tabela.

Em resumo, os ultraprocessados são impossíveis de serem feitos em casa: salgadinhos, refrigerantes, nuggets e iogurtes saborizados feitos de forma industrial. Entre os ingredientes, estão xarope de milho e alto teor de frutose, óleos hidrogenados, cores e adoçantes artificiais, emulsificantes e elevados índices de gordura.

No Brasil, a Nova ajudou a estabelecer advertência de baixo valor nutritivo em embalagens de produtos.

Na ciência mundial, abriu caminho para pesquisas sobre doenças crônicas, obesidade e risco de morte relacionados a este tipo de dieta.

Críticas dinamarquesas

Em um artigo de 2022, porém, Astrup afirma que "nenhum outro recurso" deve ser mais gasto com a Nova. Segundo ela, a tabela "acrescenta pouco" e é "contraproducente para resolver o problema global de produção de alimentos".

Astrup também defende que a Nova pode "demonizar alimentos saudáveis, como alguns tipos de cereais que não podem ser feitos em casa, mas são ricos em grãos integrais e fibras."

A carta com crítica de Monteiro às declarações também é endereçada a Susanne Bügel, professora do Departamento de Nutrição, Exercício e Esportes da Universidade de Copenhague, Dinamarca.

Desde as primeiras declarações de Astrup, projetos de Bügel são financiados pela Fundação para elaborar a nova tabela chamada de "Nova 2.0".

Sobre a fonte de recursos, a Fundação Novo Nordisk afirma não ter fins lucrativos e que é financiada por um fundo de ações de 180 empresas pelo mundo.

"A receita desses investimentos subsidiam pesquisas com fins humanitários e sociais", afirma.

Pesquisador recusou convite de farmacêutica

Ainda na carta, Monteiro, professor emérito da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de de São Paulo), defende a classificação atual e rebate a proposta da nova tabela.

"Muitos desses artigos [sobre a Nova] foram publicados em colaboração com pesquisadores de algumas das principais universidades do mundo, incluindo Paris Sorbonne, Imperial College e Harvard", escreve, em referência às tradicionais universidades francesa, britânica e americana.

"Além disso, dezenas de outros grupos acadêmicos de universidades e centros de pesquisa de todas as regiões do mundo aplicaram a Nova em uma ampla variedade de estudos. Como resultado, mais de 500 artigos revisados por pares utilizando a Nova foram publicados nos últimos cinco anos", acrescenta.

O epidemiologista diz ter recusado um convite para a reformulação e pede que o termo deixe de ser usado em artigos científicos e workshops da fundação. O texto foi divulgado em inglês e português.

Leia o artigo completo