Cremesp pede prontuários de pacientes que fizeram aborto legal em hospital da Unicamp

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O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) solicitou ao Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, vinculado à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o prontuário de todas as pacientes que realizaram aborto legal na instituição nos últimos 12 meses. Em documento obtido pela Folha, o órgão afirma que o requerimento era parte de ação de fiscalização.

O relatório afirma que o conselho aguardaria o envio dos prontuários. A Unicamp não informou se os documentos foram repassados.

A instituição de saúde recebeu um médico fiscal do órgão em 12 de novembro. A estrutura física do local, a abrangência do serviço de aborto legal, dados cadastrais do hospital e alvará foram avaliados. O relatório final indica que o centro "cumpre rigorosamente a legislação referente ao abortamento legal".

A requisição fez parte da "Operação Avaliação do Cumprimento do Programa Aborto Legal", que o conselho afirma, em nota, ser "uma ação do departamento de fiscalização do Cremesp que, como o próprio nome diz, tem o objetivo de verificar se o Programa Aborto Legal está sendo devidamente cumprido dentro dos ditames éticos da prática médica já estabelecidos".

O órgão diz também que a ação faz parte das responsabilidades do conselho. "Este departamento tem atribuições legais para realizar vistorias, exigir documentos e, inclusive, prontuários, tendo em vista que, apenas por meio deste compêndio de documentações, é possível chegar à conclusão de que os limites éticos estão sendo respeitados", afirma.

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O hospital é referência no atendimento especializado a mulheres e recém-nascidos. Sua região de abrangência engloba 42 municípios, segundo a instituição. Em 2023, o local realizou a interrupção da gravidez de 93 mulheres que foram vítimas de violência sexual, conforme documento do Cremesp.

O Código de Ética Médica brasileiro permite que conselhos requisitem prontuários, mas não estabelece em quais situações. Segundo especialistas ouvidos pela Folha, os documentos só podem ser solicitados de forma excepcional, como em denúncias. Dizem ainda que o caso citado, para fiscalização de um programa de aborto legal, não é justificativa plausível.

Elda Bussinguer, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, afirma que houve uma clara violação de direitos fundamentais tanto dos médicos como das pacientes, além de abuso de autoridade.

"Há de haver responsabilidade civil por danos morais aos pacientes e médicos, e também responsabilidade penal por violação do sigilo profissional e violação da LGPD", declara. "O que nós vemos no CFM [Conselho Federal de Medicina], e que reverbera para o Cremesp, é que hoje o CFM está em um processo de recrudescimento de direitos e [aumento] das violações dos limites da sua atuação."

A especialista afirma que os conselhos podem ter acesso a prontuários em "raríssimos casos", quando há, por exemplo, uma denúncia contra o profissional de saúde.

"Não tem como o conselho pedir o prontuário de qualquer pessoa", diz. "O conselho está pedindo acesso a prontuários sem que ele tenha justificativa plausível de que está havendo uma violação que precisa ser investigada."

Segundo Henderson Fürst, presidente da comissão de bioética da OAB-SP, é preciso uma motivação que justifique a solicitação dos prontuários médicos. "Uma requisição em sistema de operação é um abuso de poder de polícia do CRM", diz.

A advogada Fernanda Hueso, coordenadora-auxiliar do Nudem (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública de São Paulo, afirma que não há necessidade prática de análise dos prontuários para uma fiscalização de serviço.

"Embora o Cremesp tenha prerrogativa de fiscalizar, o contexto atual do debate sobre o aborto aumenta as preocupações do uso desse tipo de pedido para intimidar a equipe médica ou mesmo as pacientes", declara Hueso.

A fiscalização do Cremesp no hospital de Campinas é realizada em um contexto de ofensiva sobre o aborto previsto em lei e os profissionais que o realizam.

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Nesta quarta-feira (27), a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou a admissibilidade de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que coloca a "inviolabilidade da vida desde a concepção" no texto constitucional.

Ainda em novembro, o MPF (Ministério Público Federal) abriu uma investigação contra o Cremesp para apurar sua conduta nos processos administrativos de médicos do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, que realizaram abortos legais em mulheres vítimas de estupro.

O hospital teve o serviço suspenso pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em 2023, e duas profissionais de saúde chegaram a ter o registro interditado cautelarmente pelo conselho, que as acusa de "tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e assassinato de fetos".

Hueso afirma que antes do fechamento do serviço do Vila Nova Cachoeirinha, a Defensoria não tinha conhecimento de fiscalizações amplas como a realizada pelo Cremesp no hospital da Unicamp.

No âmbito nacional, o CFM (Conselho Federal de Medicina) redigiu em abril resolução impedindo o aborto legal acima das 22 semanas de gravidez. A norma foi suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes em maio. O Código Penal brasileiro não estabelece limite de idade gestacional para interrupção nos casos previstos em lei.

Iniciativas para dificultar o aborto legal também têm ganhado tração no Congresso. Em junho, parlamentares tentaram votar o PL Antiaborto por Estupro, que quer colocar um teto de 22 semanas na interrupção de gestações por violência sexual quando houver viabilidade fetal. O objetivo da proposição é equiparar a punição para o aborto à reclusão prevista em caso de homicídio simples.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde

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