Não se pode admitir que o crédito presumido seja utilizado na reforma tributária como um instrumento de concessão de benefício fiscal. E haverá benefício toda vez que esse crédito for superior ao valor do tributo que efetivamente incidiu nas etapas anteriores da cadeia produtiva. Sem esse princípio, corre-se o risco de desfigurar o novo sistema tributário.
O parágrafo acima é um resumo da fala de Manoel Procópio Júnior, diretor da Sert (Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária) do Ministério da Fazenda, durante debate realizado há duas semanas pelo Portal da Reforma Tributária, do professor Eurico Santi.
O crédito presumido aparece 83 vezes nos textos da reforma tributária: 6 na emenda constitucional aprovada em 2023 e 77 (incluindo singular e plural) no projeto de lei complementar votado pela Câmara no início de julho (PLP 68/2024).
Em sua primeira aparição na emenda constitucional da reforma, a expressão está ao lado das palavras subsídio, isenção, anistia e redução de base de cálculo, no dispositivo que limita o uso desses instrumentos.
As outras citações tratam de um benefício para montadoras com data para acabar e do repasse de crédito de produtores rurais que não são contribuintes para compradores de seus produtos.
Essa última aplicação é citada como exemplo pelo diretor da Sert do que está previsto no novo sistema. Caso em que o comprador só pode recuperar o tributo efetivamente pago pelo fornecedor na aquisição de insumos.
Nas palavras dele, "o crédito presumido deve guardar absoluta correlação com valores que foram efetivamente recolhidos". Do contrário, voltaríamos ao cenário atual, em que esse instituto foi "absolutamente desvirtuado".
Parte desse desvirtuamento está na transformação de um instrumento que deveria eliminar a não-cumulatividade em benefício fiscal. Muitas vezes concedido por um estado às custas de outro que fica incumbido de pagar a conta.
Folha Mercado
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Um exemplo simples (de leigo para leigos) de como isso pode ser usado como benefício fiscal: uma empresa compra um produto pagando 10% de imposto, mas vende o mesmo ganhando um crédito de 26,5% do valor da aquisição para abater dos tributos que têm a recolher.
Na reforma, o mesmo princípio que se aplica ao produtor rural e produtor integrado vale para o transportador autônomo e bens usados adquiridos de pessoa física para revenda, por exemplo. Em sua explicação, Manoel Procópio cita como exceção apenas a questão do setor automotivo prevista na Constituição e o crédito para subsidiar a Zona Franca de Manaus criado no PLP 68.
Diante de tantas citações, não se pode descartar que outros créditos previstos no texto da regulamentação fujam a tal princípio. Há também movimentos no Congresso para manter esse tipo de benefício em casos específicos.
No debate com o diretor da Sert, o professor Eurico Santi afirmou que usar crédito presumido para dar benefício fiscal é desvio de finalidade e contraria o que a reforma colocou na Constituição: que os novos tributos não serão objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais, excetuadas as hipóteses previstas na Carta.