Conheça Judy Chicago, artista que se expressa por meio da raiva e rebeldia

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Aos 85 anos, Judy Chicago ainda tem raiva. Porém, o foco da sua raiva mudou. Por décadas, a artista abasteceu a sua criatividade com um desejo de fazer parte da história da arte, apesar de não encontrar precedentes femininos no cânone americano.

Foi assim que, desde os anos 1960, Chicago ficou conhecida por contestar a ausência das mulheres nesse ambiente. "Tive uma longa e difícil luta para alcançar meus objetivos, mas valeu a pena. Agora, estou com raiva porque mais pessoas não se rebelam contra o patriarcado".

Esse ano as obras da artista estão expostas, pela primeira vez, em duas exposições panorâmicas, fora dos Estados Unidos. Em cartaz até o próximo domingo (29) no Luma Foundation, em Arles, na França, "Herstory" é a maior retrospectiva da artista na Europa, com mais de 300 obras. Enquanto "Revelations" levou mais de 70 mil visitantes à Serpentine, em Londres, entre maio e setembro deste ano.

"Finalmente senti que meu trabalho estava sendo compreendido", afirma a artista à Folha. Com uma ampla variedade de formatos e temas, entre instalações, pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e têxteis, as exposições provam que o impacto de Chicago na arte contemporânea vai além de "The Dinner Party". Nessa que é considerada a obra-prima da artista, criada nos anos 1970, um conjunto de 39 mulheres relevantes para a história do Ocidente são homenageadas em um banquete cerimonial. Hoje a instalação está permanentemente montada no Brooklyn Museum, em Nova York.

Nascida em Chicago, Judy é escritora e educadora, além de artista. Escreveu 16 livros e seus trabalhos fazem parte de coleções de mais de 30 instituições pelo mundo. Desde o começo da carreira, Judy explora diversas linguagens —da performance ao desenho— e experimenta os mais variados materiais —da fumaça ao vidro, passando pelo tecido. Nessas seis décadas, foram muitas fases e investigações, mas uma delas é constante: a perspectiva centrada nas mulheres. Nos anos 1970, fundou o primeiro programa de arte feminista em uma instituição de ensino, a Universidade do Estado da Califórnia, e, desde então, contribui para a formação de um movimento global de arte feminista.

Por isso, Judy comemora. As exposições revelam, segundo ela, a intenção implícita do seu trabalho. "Um compromisso duradouro com a equidade e a justiça para todos que compartilham este planeta –humanos e não humanos", diz.

A mostra em Londres foi estruturada a partir de um trabalho que a artista acreditava que nunca seria publicado, o manuscrito "Revelations", da década de 1970. Mitos ancestrais sempre foram de seu. Ela pesquisou sobre divindades femininas para criar uma narrativa que reconta a história da civilização ocidental com uma lente feminista. Em uma clara referência às iluminuras religiosas da Idade Média, o manuscrito interroga a ideia de um Deus masculino. Segundo ela, Deus está além do espectro binário de gênero. Especialmente para a mostra –que pega emprestado o nome do manuscrito–, a galeria produziu uma edição do texto, lançado como catálogo.

Em destaque nas paredes da Serpentine estão os desenhos de Chicago, uma linguagem fundamental para a artista. "Comecei a desenhar antes de conseguir falar. Minha mão tem sido meu guia em uma variedade de assuntos, desde a exploração da cor e até como um fim em si mesmo", afirma. A mostra exibe os trabalhos em papel do início de sua carreira, abstratos e minimalistas, nos quais a artista experimenta com forma e cor; até os desenhos mais recentes, uma combinação de imagem e texto, em que Judy aborda temas como nascimento e criação, construção da masculinidade e justiça ambiental.

Sobre as obras expostas ao público pela primeira vez, ela conta que a exposição na Serpentine foi um tanto assustadora. "Para ser levada a sério no mundo da arte de Los Angeles nos anos 1960, aprendi a disfarçar meus impulsos básicos e muitos dos desenhos na exposição da Serpentine eram crus e diretos", diz.

"Foi incrível que os espectadores tenham ficado tão emocionados e um aprendizado perceber que não havia nada de errado com quem eu era ou com meu tema. Quando era jovem, queria desesperadamente me encaixar, mas agora quero ser eu mesma como mulher e ser aceita por isso –e trabalhei em prol dessa liberdade para todos os artistas".

A pouco mais de mil quilômetros da Serpentine, outra exposição revisita a obra da artista: "Herstory", no Luma Arles, baseada na retrospectiva que aconteceu no New Museum, em Nova York, em 2023. A exposição mostra o panorama da carreira de Chicago, contextualizando suas obras com os movimentos artísticos em que participou. Séries icônicas da artista, como "The Birth Project", dividem espaço com pinturas, esculturas minimalistas e obras de grandes proporções. Como "Feather Room", uma instalação de penas brancas que cobrem o espaço da sala expositiva, onde os visitantes são encorajados a entrar e interagir.

Outro destaque da mostra é "Uma Homenagem para Arles", uma de suas esculturas de fumaça e a primeira em larga escala criada pela artista na Europa. Na instalação concebida especificamente para os jardins da instituição, flores de metal gigantes foram dispostas no lago, de onde romperam fogos de artifício, enquanto fumaças coloridas cobriram a torre de aço inoxidável do Luma, projetada pelo canadense Frank Gehry.

"Quando era criança, depois das minhas aulas, costumava passear pelas galerias dos impressionistas", disse ela, mencionando que considerou que a obra se chamasse "Uma Homenagem ao Impressionismo". "Minhas primeiras influências foram Monet, Cézanne, Seurat e Toulouse-Lautrec. Foi o trabalho deles que me fez querer fazer parte da história da arte. Quando vi o jardim no Lumapela primeira vez, decidi que queria transformá-lo em uma imagem que invocava uma pintura impressionista."

Segundo Judy, suas esculturas de fumaça colorida são uma resposta direta ao trabalho de artistas associados à Land Art. Até agora, a artista já realizou mais de 50 dessas obras, usando máquinas de fumaça, fogos de artifício, sinalizadores de estrada e gelo seco para transformar a paisagem, sem modificar fisicamente a natureza.

Para Judy, patriarcado e crise climática andam juntos, causa e consequência de um sistema de dominação. "Desde o início, meu trabalho foi moldado pela ideia de que não temos o direito de destruir e profanar o planeta e a miraculosa diversidade de vida nele", conclui.

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