Parte do sucesso de "Round 6", série sul-coreana da Netflix que retorna para uma segunda temporada no próximo dia 26, pode ser atribuído ao alto contraste entre sua sanguinolência e os desafios que seus personagens enfrentam, criados a partir do universo infantil.
Na trama, homens e mulheres cheios de dívidas são cooptados por um grupo de milionários para disputar um prêmio em dinheiro. Os desafios que eles enfrentam são baseados em brincadeiras de crianças, como cabo de guerra. Quem perde, porém, é morto brutalmente, até que um único jogador continue de pé.
"Gosto de histórias de sobrevivência, mas queria tentar algo diferente, relacionado à pureza e à ingenuidade da infância, período em que não nos preocupamos com dinheiro. E se adultos brincassem como as crianças, mas só porque suas vidas estão em risco? Foi isso que atiçou a minha curiosidade", disse o criador e diretor Hwang Dong-hyuk em dezembro passado, enquanto gravava a nova temporada.
Para ressaltar o desequilíbrio entre a inocência da infância e não apenas os assassinatos explícitos que vemos, mas também as tensões sociais que permeiam a trama, o sul-coreano precisou investir bastante tempo na concepção visual da série.
Daí nasceram cenários bastante particulares, que marcaram o imaginário de seus mais de 330 milhões de espectadores e que retornam na nova leva de episódios. Há, por exemplo, o labirinto de escadas pelo qual os jogadores passam sempre que vão para um novo desafio.
No set de filmagem, as escadarias em cor-de-rosa ganham proporções maiores do que as reais graças a um jogo de ótica e de câmeras. A inspiração principal foi "Relatividade", litografia do artista holandês M.C. Escher em que escadas se entrelaçam em várias direções, confundindo o olhar de quem encara a obra.
"Assim, esse espaço consegue passar ideias de paradoxos e contradições", disse a diretora de arte Chae Kyung-sun em dezembro passado, ao receber uma comitiva de jornalistas estrangeiros no set de filmagem que montou em Daejeon, a 160 quilômetros de Seul.
"Eu quis incorporar, no piso, um design que lembrasse as peças de encaixar da Lego, algo com que brincamos quando somos crianças. Também busquei cores como o rosa para criar uma atmosfera tranquila, infantil, que contrastasse com a mortalidade dos jogos."
Kyung-sun caminha, então, até o estúdio ao lado, onde outro cenário icônico de "Round 6" foi montado. No dormitório onde os personagens repousam e formam alianças, chama a atenção o pé direito altíssimo e uma enorme estrutura de serralheria.
Nela se equilibram 456 camas, dispostas em diferentes alturas, evocando assim os beliches comuns a tantas crianças. Na ponta onde os guardas vigiam os jogadores, o teto fica mais baixo para ganhar formato cilíndrico.
Apesar da amplitude do estúdio, a equipe dispensou o uso de computação gráfica, e a própria diretora de arte conta ter ajudado a carregar as camas todas de um canto a outro, conforme as necessidades de cada cena. Eles precisaram de uma semana inteira apenas para instalar os leitos.
"Quando criei este espaço, queria passar a ideia de que os jogadores estavam abandonados. Então pensei em quem é negligenciado e precisa morar nas ruas e, um dia, ao passar por um túnel, decidi incorporar seu formato neste cenário", diz ela, sobre as estruturas que servem de morada para tantos pelo mundo afora.
Os ladrilhos brancos que revestem o dormitório, ela acrescenta, foram inspirados nas paredes de túneis da Coreia do Sul, país que sofre com a desigualdade social e que, agora, produz tantas obras como "Round 6", interessadas em denunciar essa realidade –mesmo que, para isso, precisem de orçamento luxuosos.
O repórter viajou a convite da Netflix