Num voo de Houston, no Texas, para San Diego, na Califórnia, no começo desta semana, uma comissária de bordo perguntou pelo microfone se algum passageiro tinha como destino a Comic Con. Uma turma tímida, mas significativa, chacoalhou as mãos no ar em meio a gritinhos, confirmando.
A suposição não foi um tiro no escuro. A San Diego Comic Con é, afinal, um dos eventos mais importantes do calendário cultural americano, responsável por atrair 150 mil pessoas ao Centro de Convenções de San Diego e de movimentar US$ 160 milhões, cerca de R$ 902 milhões, para a economia local.
É mais do que o Super Bowl, que oferece catarse anual semelhante, trocando os nerds pelos fãs de esporte, e mais do que a CCXP, a versão brasileira que movimentou R$ 516 milhões em São Paulo há dois anos. Os dados são do relatório mais recente publicado pelo Observatório de Turismo e Eventos, em parceria com a secretaria de Turismo da capital paulista.
Com seus 287 mil visitantes no ano passado, porém, a CCXP foi recentemente coroada como a maior feira de cultura pop do mundo. Mas San Diego segue como a meca dos nerds, e é o destino preferido de plataformas como Amazon Prime Video e estúdios como a Disney para seus principais anúncios e lançamentos do ano.
A proximidade com Los Angeles, que fica a cerca de 200 quilômetros, ajuda. O painel dedicado à série "The Boys", na sexta, por exemplo, contou com 13 membros do elenco fixo, mais o criador Eric Kripke. São Paulo, há dois anos, recebeu apenas metade disso numa viagem para divulgar uma das temporadas.
Em San Diego, também, a ênfase em quadrinistas, que são a alma do evento, é maior. Foi com eles, afinal, que a Comic Con nasceu, em 1970. Só depois a feira expandiria sua programação para abarcar qualquer coisa relacionada a cultura pop.
A mais importante diferença entre São Paulo e San Diego, porém, é a forma como as feiras se integram à cidade. Na capital paulista, a conversa entre a programação do São Paulo Expo, já isolado pela extensa rodovia dos Imigrantes, é quase nula. Na cidade californiana de 1,4 milhão de habitantes, por cinco dias no ano, tudo funciona em prol do evento.
Cosplayers são vistos aos montes jantando nos restaurantes da cidade, enquanto festas e karaokês servem de "after party" para aqueles com mais energia —ou para quem está lá essencialmente para fazer negócios.
Meia dúzia de linhas de ônibus circulam especialmente para atender aqueles com credencial, e ruas e avenidas são fechadas para privilegiar os pedestres. Prédios e postes são decorados com o logo da feira, e bares e galpões na marinha da cidade se transformam em ativações dedicadas a séries e filmes.
Com essas ativações fora da SDCC, ao contrário do que acontece em São Paulo, os corredores do Centro de Convenções ficam mais vazios, e as filas para entrar, sair e comprar, bem menores. É uma experiência muito mais agradável do que aquela que a CCXP se tornou, conforme crescia.
Esses corredores, na versão americana, acabam por virar campo de batalha por produtos exclusivos e itens colecionáveis, que chegam na casa dos milhares de dólares. É um antro do consumismo, algo que se vê na capital paulista, mas num grau infinitamente menor.
Produtos se esgotam e são repostos diariamente nos estandes mais populares, como foi o caso daquele dedicado ao Snoopy, que tinha que ser visitado logo pela manhã se a intenção fosse comprar uma camiseta ou boneco de pelúcia.
Assim, sacolas anêmicas, ocupadas majoritariamente por brindes inúteis, nas mãos dos brasileiros viram caixas enormes, carregadas aos montes, nas mãos americanas.
São Paulo pode até ser hiperbólica com sua CCXP, mas San Diego respira nerdice, deixando suas ruas se colorirem pelo vai e vem de bebês, crianças, adultos e idosos em fantasias.
O repórter viajou a convite do Amazon Prime Video