Décadas de integração comercial na América do Norte estão prestes a sofrer uma grande ruptura com as tarifas que o ex-presidente Donald Trump afirma querer impor ao Canadá e ao México, os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos.
Embora as tarifas devam causar impacto negativo nos três países, o Canadá e o México seriam os mais prejudicados, pois possuem economias menores e fortemente dependentes dos Estados Unidos.
Na segunda-feira (27), autoridades dos dois países respiraram um breve alívio quando Trump não incluiu as tarifas em sua enxurrada de ordens executivas no primeiro dia de seu novo mandato. Mas a tranquilidade durou pouco: mais tarde, naquela noite, Trump afirmou a jornalistas que ainda pretende avançar com as tarifas.
"Estamos pensando em algo na faixa de 25% sobre México e Canadá", disse Trump no Salão Oval. "Acho que faremos isso em 1º de fevereiro."
Especialistas em comércio avaliam se as tarifas realmente serão implementadas ou se a ameaça é apenas uma estratégia de negociação para obter concessões do México e do Canadá. Ambos os países evitaram tarifas elevadas durante o primeiro governo Trump e apostam que os EUA precisam deles para enfrentar a concorrência da China, um rival muito maior.
Folha Mercado
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Economistas e formuladores de políticas afirmam que as tarifas resultariam em perda de renda e empregos e forçariam os consumidores a pagar mais por diversos produtos.
Na segunda, Trump assinou uma ordem executiva determinando que agências federais revisem amplamente as políticas comerciais dos EUA, o que pode resultar em novas ações contra o México e o Canadá.
As tarifas prometidas por Trump provavelmente seriam respondidas com tarifas retaliatórias do Canadá e do México, desmontando cadeias produtivas e de suprimentos fortemente integradas na América do Norte.
Mais de US$ 1,5 trilhão em mercadorias estariam em jogo —esse é o valor total do comércio entre os Estados Unidos e seus vizinhos em 2023, de acordo com dados do governo norte-americano.
Economistas preveem que o efeito inicial seria negativo para os três países, que são signatários do Acordo EUA-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês).
Os impactos exatos são difíceis de quantificar, pois não está claro quais produtos seriam afetados e como México e Canadá reagiriam. No entanto, os efeitos podem incluir inflação, aumento do custo de bens, perda de empregos e menor consumo devido à preocupação dos consumidores com a renda.
Geralmente, governos tentam mitigar esses impactos. O governo canadense já sinalizou que pode oferecer ajuda financeira a empresas e trabalhadores afetados.
Entretanto, alguns setores sofreriam disrupções imediatas, como agricultura, indústria automobilística e energia —áreas fundamentais para as três economias.
ESTADOS UNIDOS
Alguns setores específicos podem apoiar a tarifa de 25% sobre produtos do Canadá e do México, como os produtores norte-americanos de tomates e outras frutas e vegetais sazonais, que enfrentam forte concorrência dos produtores mexicanos.
No entanto, a maioria das indústrias seria severamente prejudicada pelo impacto econômico das tarifas elevadas.
Mesmo grupos que historicamente pedem mais proteção contra produtos mexicanos, como os trabalhadores do setor automotivo dos EUA, poderiam ser atingidos caso as tarifas interrompam as cadeias de fornecimento. Além disso, os sindicatos United Auto Workers e United Steelworkers International abrangem trabalhadores nos EUA e no Canadá, o que os leva a se opor a restrições sobre exportações canadenses.
Como a economia dos Estados Unidos é a maior da América do Norte e a menos dependente do comércio exterior, o impacto proporcional no país seria menor do que nos vizinhos.
Contudo, as tarifas aumentariam os preços para os consumidores, impulsionando a inflação. Famílias e empresas americanas pagariam mais por diversos produtos, incluindo abacates, cerveja, aço, carros e petróleo.
O aumento de preços reduziria o consumo e provavelmente desaceleraria a economia. O Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, estima que uma tarifa de 25% sobre todas as exportações mexicanas e canadenses reduziria o PIB dos EUA em cerca de US$ 200 bilhões ao longo do segundo governo Trump.
Além disso, as indústrias norte-americanas que exportam para o Canadá e o México seriam prejudicadas se esses países retaliassem com tarifas sobre produtos dos EUA. O governo canadense já elaborou planos para taxar suco de laranja da Flórida, uísque do Tennessee e pasta de amendoim do Kentucky, enquanto o México também estuda medidas retaliatórias.
CANADÁ
O comércio entre Estados Unidos e Canadá movimenta cerca de US$ 800 bilhões por ano, com aproximadamente US$ 2,5 bilhões em mercadorias atravessando a fronteira diariamente.
O setor automotivo é particularmente integrado: um único veículo pode cruzar a fronteira entre os dois países até oito vezes antes de ser totalmente montado.
Além disso, o Canadá fornece 80% do petróleo que exporta para os EUA, e os americanos obtêm metade do petróleo importado do Canadá. O país também exporta potássio (usado em fertilizantes) e urânio (essencial para a energia nuclear) para os Estados Unidos.
Caso Trump leve as tarifas adiante, os impactos dependeriam de quais produtos seriam afetados e se o petróleo canadense, por exemplo, ficaria isento.
Economistas preveem uma perda de 2% a 2,6% no PIB canadense anualmente. Mais de 1 milhão de empregos no Canadá estariam em risco, incluindo 500 mil apenas na indústria automobilística de Ontário, segundo Doug Ford, primeiro-ministro da província.
Caso os EUA taxem a energia canadense e o Canadá retalie reduzindo suas exportações de petróleo, os impactos seriam severos, especialmente em Alberta, principal região exportadora do país.
O governo de Alberta rejeitou um plano do governo federal que propunha usar o petróleo como moeda de troca para pressionar Trump a recuar na implementação das tarifas.
MÉXICO
Entre as principais economias mundiais, o México é um dos países mais dependentes do comércio com os EUA: cerca de 80% de suas exportações vão para os Estados Unidos.
Grande parte dessa produção vem de fábricas localizadas a menos de 50 km da fronteira, que operam quase exclusivamente para atender ao mercado norte-americano.
Diferentemente de países como a Alemanha, que podem redirecionar suas exportações para outros mercados, o México tem uma dependência maior dos Estados Unidos.
De acordo com Marcus Noland, vice-presidente do Instituto Peterson, tarifas de 25% seriam devastadoras para a economia mexicana.
"Na prática, isso iniciaria um processo de desindustrialização do México", afirmou Noland.
Ele estima que as tarifas reduziriam o crescimento do PIB mexicano em cerca de 2 pontos percentuais, resultando em fechamento de fábricas e perda massiva de empregos. O setor automotivo, que emprega mais de 1 milhão de pessoas no México, seria um dos mais afetados.
A agricultura também sofreria um grande impacto, já que o México fornece 63% dos vegetais e 47% das frutas e castanhas consumidos nos EUA.
Produtos icônicos, como abacates, que tiveram a demanda impulsionada pelos consumidores norte-americanos desde que o país começou a importá-los do México, poderiam sofrer fortes restrições.
A capacidade do México de minimizar os danos das tarifas seria limitada, já que o país enfrenta dificuldades fiscais. Em 2024, o déficit orçamentário atingiu o maior nível em décadas.
Por outro lado, o setor turístico mexicano poderia se beneficiar, pois o peso provavelmente se desvalorizaria, tornando o México ainda mais atraente para turistas dos EUA – seu maior grupo de visitantes.
No entanto, como destacou a economista Kimberley Sperrfechter, da Capital Economics: "isso dificilmente compensaria os prejuízos nos outros setores."