Como a poderosa máquina de difamação de Hollywood encobre escândalos

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Os processos judiciais entre os atores Blake Lively e Justin Baldoni lançaram luz sobre um grupo secreto de pessoas em Hollywood que atua nos bastidores para manter o controle sobre polêmicas e escândalos. Mas, nos últimos anos, seu papel mudou —e seus desafios se multiplicaram.

"Ela é uma farsa, mas acho que o público gosta disso..." Esta é a frase que a atriz Joan Crawford teria dito sobre a estrela de cinema Bette Davis.

As trocas de farpas entre as duas se tornaram públicas nas décadas de 1930 e 1940. "Bette é uma sobrevivente... Ela sobreviveu a si mesma", aparentemente Crawford também comentou.

O relacionamento tempestuoso delas era tão notório que, em 2017, foi transformado em uma série de televisão vencedora do Emmy, "Feud".

É claro que as rivalidades em Hollywood não são novidade —mas os conflitos atuais raramente são tão públicos. Talvez seja por isso que a polêmica entre os atores Blake Lively e Justin Baldoni, que veio à tona em dezembro de 2024, ainda tenha espaço no noticiário três meses depois.

A batalha judicial subsequente revelou uma controvérsia durante a produção do filme "É Assim Que Acaba". Após o término da temporada promocional e cinematográfica, os dois —que não apareceram juntos no tapete vermelho da estreia em Nova York— entraram com ações judiciais um contra o outro.

Lively acusou Baldoni e outras pessoas de realizar uma campanha de difamação contra ela após reclamar de suposto assédio sexual no set de filmagem. Baldoni, por sua vez, acusou Lively, seu marido, Ryan Reynolds, e seu agente de realizar uma campanha de difamação contra ele, e alegou que ela tentou assumir o controle do filme. Ambos os lados negam todas as acusações.

O que se viu durante o desenrolar de tudo isso é que foram contratados assessores de gerenciamento de crise.

Os representantes legais de Lively tiveram acesso a várias mensagens de texto entre a agente de Baldoni, Jennifer Abel, e a equipe de crise que ele contratou, liderada por Melissa Nathan, cujos clientes anteriores incluem o ator Johnny Depp e o rapper Drake. Nathan teria enviado a seguinte mensagem para Abel: "Você sabe que podemos enterrar qualquer um".

Lively agora teria contratado Nick Shapiro, ex-vice-chefe de gabinete da CIA, a agência de inteligência americana, para assessorá-la em sua estratégia de comunicação jurídica.

Embora os resultados das ações judiciais ainda estejam sendo aguardados, o conflito colocou os holofotes sobre um setor que normalmente permaneceria invisível: ou seja, a máquina publicitária que trabalha nos bastidores de Hollywood.

"Em todos os sets de filmagem, há brigas, casos amorosos... há todo tipo de coisa que acontece", explica Richard Rushfield, fundador e colunista da newsletter de Hollywood The Ankler. "Hollywood é um mundo repleto de pessoas muito complicadas que se reúnem para esses projetos gigantescos, em que montam equipes rapidamente para fazer essas coisas, e se dispersam logo em seguida."

"Entre tudo isso, muita coisa acontece, e eles lidam com isso discretamente - são muito obsessivos com o controle da narrativa. Quando essas coisas vazam para o público, saem de controle, todos ficam muito nervosos."

Mas o mundo das relações públicas de Hollywood mudou nos últimos anos, em parte devido ao crescimento das redes sociais, que alterou o relacionamento entre celebridades e fãs, colocando-os em contato direto e acabando um pouco com o mistério.

Mas, afinal, o que isso significa para as pessoas cujo trabalho é manter o controle sobre a realidade conturbada do setor?

De Tom Hardy a Sarah Jessica Parker

Poucas desavenças se tornaram públicas nos últimos anos —e as que se tornaram foram exploradas simplesmente por serem tão raras. O ator Dwayne Johnson revelou "uma diferença fundamental nas filosofias sobre como abordamos a produção de filmes e a colaboração" com seu colega de elenco de "Velozes e Furiosos", Vin Diesel, em uma entrevista em 2018.

As estrelas de outro filme de ação, "Mad Max: Estrada da Fúria", Charlize Theron e Tom Hardy, teriam filmado muitas de suas cenas separadamente.

E depois houve uma suposta tensão entre Kim Cattrall e Sarah Jessica Parker, que foram protagonistas da série "Sex and the City", que durou seis anos. Em 2018, depois que Parker prestou condolências pela morte do irmão de Cattrall, a atriz respondeu nas redes sociais, chamando Parker de "hipócrita" e declarando: "Você não é minha família. Você não é minha amiga".

Mas nos bastidores, centenas de outras brigas nunca vão ver a luz do dia. "Alguns dos melhores trabalhos de um agente de relações públicas talvez nunca apareçam", diz Daniel Bee, agente e consultor de marcas baseado em Los Angeles, "porque ele interrompeu algo que estava errado, ou reformulou algo para uma narrativa diferente, ou apontou os holofotes para uma direção diferente".

"As coisas mais interessantes que já fiz como agente de relações públicas são aquelas que ninguém jamais vai saber."

'Forças poderosas em jogo'

Desde que Daniel Bee começou a trabalhar como agente de relações públicas no mundo do entretenimento em 1997, ele observou uma mudança mais ampla no setor. "Comecei minha carreira na mídia britânica, havia 11 jornais nacionais competindo entre si. Era um campo de batalha, um trabalho árduo, e era preciso conhecer as pessoas por meio de relacionamentos."

"Agora, você enfrenta um algoritmo e contas anônimas em que você não sabe quem está enfrentando. Está mais difícil de controlar do que nunca."

Certamente, a rede social impôs desafios para aqueles que tentam controlar as narrativas sobre grandes filmes e suas estrelas - ao mesmo tempo que apresenta novas "práticas obscuras" por meio das quais os agentes de relações públicas podem tentar moldar a opinião.

"Sempre houve um exército de assessores e consultores fazendo vodu em relações públicas", diz Eriq Gardner, especialista em direito do entretenimento e sócio fundador da Puck News. "Embora eu adoraria dizer que o público tem educação midiática e é perspicaz o suficiente para ler nas entrelinhas e ver o que está acontecendo, a verdade é que há muitas forças poderosas em jogo e, às vezes, uma grande quantidade de desinformação."

O chamado "vodu" nas relações públicas é diferente agora que uma celebridade— ou seus fãspode atingir um público de milhões de pessoas com um clique.

Enquanto os agentes de épocas anteriores talvez só tivessem que se preocupar com plataformas impressas e de transmissão de rádio ou televisão, os smartphones e as redes sociais significam que o cenário digital de hoje é um faroeste em que qualquer pessoa pode moldar sua própria narrativa. Uma postagem ou comentário mal avaliado pode prejudicar a carreira de um ator.

Mas, em contrapartida, é um meio totalmente novo no qual os agentes de relações públicas podem praticar seu "vodu".

'Astroturfing' e formas de 'causar danos'

Uma das táticas é o "astroturfing" —ou seja, mascarar uma campanha orquestrada como sendo um aumento espontâneo da opinião pública.

Isso funciona por meio da manipulação da opinião pública e da criação de uma falsa impressão de apoio popular ou oposição, muitas vezes coordenada por meio de contas de rede social de forma que pareça orgânica.

A prática não é nova, mas ganhou vida nova com o advento dos algoritmos de rede social.

"É plantar deliberadamente desinformação, ou versões distorcidas da verdade, em determinadas partes da rede social", explica Carla Speight, fundadora do aplicativo PR Mastery. "O objetivo é chegar ao ponto médio de influência, em que vão ganhar um pouco de força, mas que não fique muito óbvio —você não contrataria uma Kardashian para fazer isso."

"Isso é feito em camadas", ela acrescenta. "É como jogar um jogo de xadrez muito sinistro. Você está colocando todas as peças nos lugares certos, a quantidade certa de informações equivocadas, e então você simplesmente assiste à explosão."

Embora as postagens possam parecer uma opinião pública genuína, na verdade, trata-se de uma multidão falsa, seja ela formada por "bots" (robôs) ou por pessoas reais, que podem ser pagas para coordenar suas postagens.

"Basta que uma ou duas pessoas criem um meme e divulguem para as pessoas certas", diz Speight. "Precisa aparecer como uma tendência, e depois desaparece. Uma coisa é pingada aqui, outra ali e, quando isso é bem feito... causa um pouco de dano."

Reinvenção de uma tática antiga?

Mas tudo isso é simplesmente uma nova plataforma para uma tendência antiga que vem acontecendo muito antes do advento das redes sociais, de acordo com Bee. "Campanhas de difamação que passam despercebidas sempre existiram", ele destaca.

"Antes, era um agente que sussurrava para um jornalista de um jornal nacional. O problema com a mídia digital é que ela é anônima, e não pode ser rastreada."

O que mudou, segundo ele, é que o público se tornou mais perspicaz. "Enquanto antes, a audiência bastante subserviente simplesmente aceitava o que era oferecido a ela na mídia, com o ceticismo natural, a curiosidade e um nível maior de informação, acho que as pessoas adotam um pensamento mais crítico."

Eriq Gardner está menos convencido disso. "Não tenho certeza se o público aborda o que lê com ceticismo suficiente."

Ainda assim, os profissionais do setor costumam estar atentos a isso. De acordo com Speight, "normalmente, há um tipo distinto de sinal, e pode ser coisa de relações públicas, em que temos um 'sexto sentido' e podemos meio que ver isso, mas você se pergunta: 'De onde veio isso? Quem começou isso?". E quando nunca há um lugar específico para apontar, geralmente é um sinal de alerta."

O ecossistema de Hollywood

O que está claro, no entanto, é que, com os estúdios proporcionando a algumas publicações uma receita de publicidade significativa, além de fornecer talentos para eventos especiais e capas de revistas, as revelações geralmente surgem em outros lugares da mídia.

"Quando [escândalos] são revelados, geralmente isso acontece fora de Hollywood", argumenta Rushfield. "A história de Harvey Weinstein foi divulgada pelo The New York Times e pela New Yorker."

Foi o jornal americano The New York Times quem deu primeiro a notícia da ação judicial de Lively em dezembro. "É um dos poucos lugares que podem se dar ao luxo de fazer isso, e então todos os outros se envolveram, de modo que ninguém estava se arriscando." Baldoni entrou com um processo de US$ 250 milhões contra o New York Times em dezembro, embora um juiz federal tenha indicado nesta semana que o caso poderia ser arquivado.

Mesmo quando os grandes veículos divulgam notícias sobre as polêmicas de Hollywood, o crescente domínio das redes sociais significa que as histórias podem não ter o mesmo impacto que tinham anteriormente.

Doreen St Felix, escritora que já foi editora da newsletter de Lena Dunham, escreveu recentemente na The New Yorker que as histórias de assédio e abuso, por exemplo, agora recebem uma "recepção turva, cínica e exausta" —menos de uma década após o surgimento do movimento #MeToo.

"O gênero de reportagem #MeToo do fim da década de 2010 não pode prosperar na internet volátil de hoje. Informação é desinformação, e vice-versa. As vítimas são infratores, e os infratores são vítimas", ela acrescentou.

Às vezes, no entanto, a melhor maneira de os assessores evitarem que as histórias sejam amplificadas é ignorar totalmente a rede social ao reagir a um escândalo.

"Se você der a notícia à imprensa primeiro, eles não vão citar tantos comentários nas redes sociais", observa Speight. "Você controla completamente a narrativa, porque os comentários vêm depois."

Rushfield ressalta que apenas uma pequena parcela das revelações na imprensa de entretenimento é divulgada porque alguém "descobriu" algo. "Quase tudo que você lê está lá porque alguém colocou lá -alguém está ditando uma história."

O que os espectadores querem

Nada desta indústria existiria se não houvesse interesse, e se o público não quisesse destrinchar detalhes sobre as vidas dos famosos —e suas rixas. Ainda assim, as atitudes em relação às celebridades, sem dúvida, mudaram desde o advento da rede social.

"Agora é uma comunicação de mão dupla, o que nunca foi antes", ressalta Bee. "Geralmente, as celebridades, os advogados, o governo ou o que quer que seja diziam algo que era noticiado, e a mensagem era transmitida. Agora, você precisa estar preparado para um diálogo."

Mas ele acredita que há atitudes diferentes em relação à mídia hoje do que na época das revistas de fofocas de celebridades. Citando o Reino Unido, ele continua: "Tivemos o inquérito Leveson (escândalo de grampos telefônicos envolvendo um extinto tabloide acusado de ter espionado diversas celebridades, políticos e personalidades do país), estamos prestes a ter um drama da ITV sobre grampos telefônicos —é como se a cortina tivesse sido levantada".

Quanto aos processos de Lively e Baldoni, não está claro como eles vão se desenrolar, mas o próprio fato de terem se tornado de domínio público de forma tão incomum é um lembrete de como a máquina publicitária de Hollywood é eficiente no resto do tempo. E é improvável que isso mude em breve.

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