Como a Piet virou febre no streetwear ao conquistar jovens do centro e periferia

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Desde que nasce, o brasileiro está constantemente exposto ao futebol e a seu imaginário —os jogos na televisão, a família que torce, a pelada na escola e os amigos com camisetas dos clubes. "Você já nasce com um time e não tem direito de escolha dele. É quase como o seu nome. Ele está nas suas memórias sem querer", diz Pedro Andrade, o diretor criativo da Piet.

A marca, uma das mais conhecidas e certamente a mais influente no cenário de streetwear do Brasil nos últimos dez anos, desfila nesta sexta-feira a sua nova coleção num estádio de futebol, o Pacaembu, com peças inspiradas no esporte que é a paixão nacional. Nas roupas, Andrade diz "contar a história de um brasileiro". O desfile fecha a programação dos 30 anos de São Paulo Fashion Week.

Numa conversa com a reportagem no ateliê da marca, no bairro da Aclimação, em São Paulo, Andrade, de 34 anos, estava em êxtase com o lote de 1.800 ingressos que evaporou em menos de três minutos para o desfile —eles foram distribuídos gratuitamente por meio de um link divulgado no Instagram da Piet.

É uma forma de dar acesso a quem gosta de seu universo, mas não necessariamente consome os produtos da etiqueta, ele diz. Ao todo, foram ofertados 4.000 lugares para ver os modelos na passarela ao som da trilha composta por Marcelo D2, uma atitude de tirar os desfiles de moda de seu lugar elitizado que lembra as apresentações da Diesel na Semana de Moda de Milão, também abertas ao público.

Andrade se diz um amante das cores. Isso fica claro em boa parte dos 50 looks da nova coleção, como nas camisetas, estampadas com grandes ilustrações estilo desenho de criança feitas pelo artista grego Apostolis Dimitropoulos que mostram cenas de destaque do futebol, a exemplo de uma do ex-jogador Kaká com os braços estendidos para o céu, num ato de louvor.

A jaqueta bomber camuflada foi forrada por dentro com uma telinha de uniforme de jogador reserva, as mochilinhas estilo saco que os goleiros usam aparecem numa versão em couro vermelho, os calçados —tênis e mules— se baseiam nos desenhos de chuteiras vintage e as bolsas tote trazem a inscrição "doping kontrole", controle antidoping.

Natural de Araçatuba, no interior de São Paulo, Andrade lançou a Piet há 13 anos, quando estava no fim da faculdade de desenho industrial. A marca começou pequena, com uma identidade visual nos produtos que remetia ao montanhismo. Era uma moda de rua com pegada utilitária traduzida em camisetas, bermudas e bolsas vendidas numa pequena loja no bairro do Bom Retiro.

Aos poucos, a marca foi conquistando jovens que antes procuravam inovação em etiquetas estrangeiras como Palace, Supreme, Off-White e Stüssy e que não se identificavam com a velha guarda do streetwear brasileiro vendido na Galeria do Rock, em São Paulo, de marcas como Drop Dead, Mad Rats, Narina e Qix, desejadas por todo skatista nos anos 1990.

Andrade conta que a Piet cresceu quando começou a lançar produtos feitos em parceria com outras grifes, sendo a principal delas a Oakley, um hit na periferia paulistana. A etiqueta californiana é "uma religião, uma cultura, é a roupa do funkeiro e o tênis do motoboy", afirma Andrade, ao comentar o culto em torno da popular marca dos óculos espelhados.

Isso permitiu que ele acessasse tanto "o cara que empina moto quanto o influenciador Gabriel Gontijo", diz, ampliando o público da Piet com produtos que se propunham a criar um streetwear centrado no Brasil, sem o espírito de vira-latas de considerar o que vem da Europa e dos Estados Unidos melhor. Outro produto a quebrar a barreira entre centro e periferia na história da marca foi o boné de crochê, lançado em parceria com o artista e crocheteiro Jamil Santos.

Assim, ao longo de mais de uma década a Piet se tornou o farol da renovação da moda de rua feita no Brasil. Sua identidade mistura a iconografia do movimento paz e amor, estampada ou bordada em moletons e camisetas, com calças e bermudas puídas ou com aspecto de sujo. É um trabalho diferente do que fazem outras etiquetas de destaque voltadas para o mesmo público, como Pace, High, Quadro Creations e Carnan.

Mas vamos falar de preços. Quem visita a nova loja da marca, inaugurada há menos de um ano junto ao comércio de luxo no bairro dos Jardins, encontra tanto camisetas por cerca de R$ 300 quanto calças jeans embelezadas com cristais Swarovski por R$ 1.699 e jaquetas de couro a R$ 4.000.

Embora os valores baixem consideravelmente em época de promoção, Andrade conta que com frequência recebe reclamações de que seus produtos são caros no Brasil, o que ele diz que não acontece no exterior, onde a Piet vende em cerca de 60 lojas, com uma presença considerável na China e na Coreia do Sul.

"Eu não consigo ser supercaro porque me taxaram nesse lugar do streetwear, onde as pessoas falam 'se você faz roupa de streetwear, tem que cobrar o preço de Galeria do Rock'", ele diz, antes de ponderar que muitas de suas criações, embora carreguem o espírito das ruas, estão mais próximas de produtos de luxo, a exemplo de uma jaqueta com mangas de crochê e bordados nas costas, tudo feito à mão.

A peça, fruto de uma parceria com a marca nova-iorquina KidSuper —de um estilista que desenhou para a Louis Vuitton— foi desfilada na última Semana de Moda de Paris e será apresentada nesta sexta-feira em São Paulo. "Você não está trabalhando com commodity", afirma Andrade, ao comentar o trabalho em cima de cada peça de roupa e exemplificar com as 90 horas que leva para uma manga crochetada ficar pronta.

Incansável, o estilista tem ainda outra marca, que leva suas iniciais no nome, na qual se dedica a pesquisar tecidos para fazer produtos de estética mais sóbria. Como um cientista, ele chama as suas duas etiquetas de "laboratórios", nos quais experimenta e produz as roupas que vestem os jovens a seu lado no metrô, nas festas e nas ruas.

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