A reconstrução mais ambiciosa até agora das variações de temperatura da Terra ao longo do último meio bilhão de anos mostra uma alternância entre estados "quentes" e "frios" do planeta no longo prazo, embora a tendência ao resfriamento tenha prevalecido desde a extinção dos dinossauros.
A análise indica ainda que o fator mais importante por trás desses vaivéns é a quantidade de CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico) na atmosfera, mesmo fator que está por trás da atual crise climática provocada pelo ser humano. Se esse dado estiver correto, a influência do gás carbônico teria superado até a da radiação solar, que tem se tornado paulatinamente mais intensa conforme o Sol evolui.
O trabalho abrange 485 milhões de anos de história do planeta —do Ordoviciano, quando animais e plantas estavam só começando a colonizar a terra firme, até o Holoceno, a época geológica em que ainda estamos, segundo a classificação oficial.
A reconstrução foi feita pela equipe de Emily Judd, do Museu Nacional de História Natural Smithsonian (EUA), e acaba de sair na revista especializada Science. Segundo a equipe de Judd, as temperaturas médias da Terra ao longo desse período variaram de um mínimo de 11 graus Celsius (há 120 mil anos, no fim da Era do Gelo) a um estarrecedor máximo de 36 graus Celsius (no Turoniano, há cerca de 90 milhões de anos, quando a Era dos Dinossauros estava em sua fase final).
Segundo os autores do estudo, cerca de 41% do total do período estudado correspondeu a estados mais quentes, ou "estufas", com temperatura média igual ou superior a 25 graus Celsius. Já os estados mais frios da biosfera, ou "geladeiras", com temperatura inferior a 22 graus Celsius, corresponderiam a 31% do último meio bilhão de anos. O restante do tempo, ou 27%, é classificado por eles como um estado de transição.
A temperatura média atual, de 15 graus Celsius, é típica de "geladeiras" e segue essa tendência há 34 milhões de anos. As transições entre um estado e outro são graduais e se estendem por fases que vão de 3 milhões até mais de 10 milhões de anos.
Para chegar a estimativas relativamente precisas referentes a um intervalo tão imenso de tempo, Judd e seus colegas combinaram simulações computacionais do clima terrestre com indicações da temperatura em fósseis.
A mais importante delas é a preservação de isótopos (variantes) do elemento químico oxigênio nas rochas. Entre esses isótopos, há a forma mais comum do átomo, com oito prótons e oito nêutrons em seu núcleo, e uma forma mais "pesadona", que tem dez nêutrons.
Para construir suas cascas e outras partes de seu corpo, os organismos marinhos incorporam oxigênio, e é disso que vem o pulo-do-gato do estudo. Acontece que a proporção entre átomos das formas leve e pesada de oxigênio nas carapaças marinhas varia com a temperatura (quando faz mais calor, há uma presença maior do oxigênio "magro"), e isso funciona como um termômetro do passado.
Existe ainda outro detalhe que os pesquisadores precisaram levar em conta. Há outras pistas indicando que a proporção isotópica do oxigênio nas águas do passado variou ligeiramente com o tempo, de forma independente da temperatura. Por isso, foi preciso sair à caça de rochas com componentes que registrassem isso, o que foi conseguido por meio da análise de minerais contendo óxidos de ferro.
Ainda há uma série de incertezas metodológicas que podem afetar significativamente os números propostos pelo estudo na Science, alerta Benjamin Mills, da Universidade de Leeds (Reino Unido), em comentário escrito a pedido dos editores do periódico especializado.
"O modelo deles prediz temperaturas que, em geral, são mais altas nos períodos de ‘estufa’ do que os que aparecem em modelos de longo prazo do ciclo do carbono na Terra", escreve ele.
Isso também traz repercussões para a compreensão do passado dos seres vivos. Nos períodos mais quentes da Era dos Dinossauros, por exemplo, as regiões tropicais da Terra, segundo a nova reconstrução das temperaturas, poderiam ter meses quentes superando os 45 graus Celsius durante longos períodos.
As espécies atuais de animais e plantas simplesmente não estão equipadas para sobreviver a essas condições, mesmo quando adaptadas à vida nos trópicos. Mas não se pode descartar a possibilidade de que houvesse refúgios com microclima (clima local) mais ameno ou espécies antigas que estavam adaptadas a essa situação, escrevem os pesquisadores.