A Cinemateca Brasileira anunciou nesta semana a retomada do projeto de recuperação, catalogação e digitalização do acervo do Canal 100, cinejornal que está na memória dos brasileiros principalmente por ter registrado por quase três décadas o futebol do país, de campeonatos regionais à seleção brasileira dos tempos de Pelé e outros craques.
Ao som de ‘que bonito é…’, de "Na Cadência do Samba", de Luiz Bandeira, gerações assistiram nos cinemas, entre 1957 e 1986, os programas do Canal 100. Mais lembrados por retratar o futebol, os cinejornais foram além, fazendo um registro precioso da história cultural, social e política do país em parte do século 20, da ditadura à redemocratização, de concursos de misses a artistas populares.
Estão sob a guarda da Cinemateca 30 horas de cinejornais, ou 21.793 segmentos de notícias, em 8.044 latas, e 15.252 documentos, como roteiros. A instituição comprou o material em 2011, quando começou a começou a recuperá-lo. O trabalho, no entanto, foi interrompido em 2013 com metade dos cinejornais restaurados, como as imagens e os vídeos deste texto.
"O acervo ficou muito tempo guardado em razão das várias crises da Cinemateca", diz a diretora geral Maria Dora Mourão. Agora, o projeto foi retomado, ao custo de R$ 22,7 milhões, com patrocínio do Instituto Cultural Vale, da Shell e do Itaú. Cerca de 40% desse valor já foi captado pela lei Rouanet, o suficiente para a retomada do projeto, e a Cinemateca busca parceiros para completar os recursos.
"Cada fotograma agora vale mais, pois o trabalho será mais árduo", resume Gabriela Queiroz, diretora técnica da Cinemateca, ao falar sobre a restauração da parte do acervo que ficou mais de dez anos parada. Segundo ela, quando o material chegou à instituição, em 2011, 60% já apresentava sinais de deterioração.
Em 2022, uma amostragem apontou que 30% dos segmentos de notícias estavam em estado avançado de degradação, o que significa que, a cada cinejornal, seriam recuperados de três a quatro fotogramas.
Agora, diz Gabriela, é difícil prever como os filmes estarão. A situação pode se complicar porque trechos de programas eram reutilizados. No auge, o Canal 100 tinha três edições diárias. "Primeiro, fazemos a arqueologia de cada edição a partir dos roteiros, que já estão em fase de digitalização. Depois, vamos para o material fílmico e montamos o quebra-cabeça. Em apenas uma edição, por exemplo, pode-se achar segmentos remanescentes."
O objetivo da Cinemateca é completar a recuperação do acervo em 2026, ano da próxima Copa do Mundo, e fazer uma mostra itinerante sobre futebol pelo país. Os cinejornais também estarão disponíveis na internet, no Banco de Conteúdos Culturais da instituição.
O Canal 100
Criado em 1957 pelo cineasta Carlos Niemeyer, o Canal 100 revolucionou a cobertura esportiva no país. O diretor e sua equipe, entre eles o cinegrafista Francisco Torturra, imprimiram narrativa cinematográfica aos cinejornais, inovando nos enquadramentos nas partidas de futebol. Os textos, sempre inspirados, ficavam a cargo dos redatores Alberto Shatovsky e Jorge Niemeyer e ganhavam vida nas vozes de Cid Moreira e Côrrea Araújo.
Os números do acervo
21.793 segmentos de notícias
30 horas de cinejornais
8.044 latas
15.262 folhas de documentos (roteiros e mapas de televisão)