Cientistas investigam se asteroides podem se tornar fonte de alimento

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Astronautas que embarcam em jornadas no espaço não podem embalar todas as calorias de que precisarão na forma de alimentos liofilizados. Tampouco podem cultivar tudo, já que a tecnologia não está madura o suficiente para mantê-los abastecidos com produtos frescos. Diante dessas restrições nutricionais, um grupo de engenheiros diz acreditar que os futuros viajantes deveriam mudar suas dietas.

Em um estudo publicado no último dia 3 no periódico The International Journal of Astrobiology, os cientistas sugerem que os astronautas poderiam buscar asteroides para refeições à vontade.

Eles não mastigariam as rochas em si. Em vez disso, um processo químico e físico quebraria o material de um asteroide, e os componentes orgânicos resultantes —compostos de hidrocarbonetos— seriam servidos a bactérias. Quando elas estivessem cheias, os astronautas poderiam consumir a coleção de micróbios, mais apetitosamente referida como "biomassa".

Essa ideia tem origem em um projeto patrocinado pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Um dos programas da agência, ReSource, encarrega os pesquisadores de transformar resíduos produzidos por tropas em algo útil.

Uma equipe do ReSource tem investigado o que fazer com as refeições prontas para comer, ou MREs (na sigla em inglês), rações militares que duram muitos anos. Mas os recipientes de plástico que contêm a carne de prateleira dos soldados duram ainda mais.

"Eles não querem jogá-los fora, não querem queimá-los, não querem levá-los embora", disse Joshua Pearce, professor de engenharia na Universidade do Ontário Ocidental (Canadá), que colabora no projeto, liderado por pesquisadores da Universidade Tecnológica de Michigan (EUA). Talvez, pensou sua equipe, poderiam transformar esses recipientes de plástico em mais comida.

O primeiro passo desse processo quebra o plástico usando pirólise, "basicamente apenas cozinhando sem oxigênio", segundo Pearce. Essa decomposição gera um sólido, um gás e um óleo. O óleo vai para um biorreator, onde as bactérias comem o que lhes é dado. E, finalmente, quando as bactérias terminam de se alimentar, elas se tornam o alimento. A biomassa reúne propriedades nutricionais semelhantes aos alimentos que comemos todos os dias.

As primeiras tentativas da equipe de criar biomassa de MRE não foram apetitosas. Eles resultaram em "uma mistura de cor de carne", nas palavras de Pearce. Mais tarde, eles produziram algo mais parecido com iogurte de caramelo. Se esse iogurte é comestível, é outra questão. "Temos que passar por todos os rigorosos estudos de segurança para garantir que sejam não tóxicos", disse o microbiologista Stephen Techtmann, da Universidade Tecnológica de Michigan, líder do projeto.

Já prometi que serei o primeiro a dar uma mordida

Pearce discutia esse trabalho com seus "amigos do espaço", que apontaram que os asteroides não são tão diferentes do plástico, pelo menos do ponto de vista dos micróbios: ambos contêm muito carbono.

"Bem, OK, vamos levar isso a sério e descobrir quanto carbono há, se está na forma correta e se achamos que podemos convertê-lo em alimento", disse Pearce, descrevendo o processo de pensamento.

As respostas dependem se os micróbios, de fato, comerão asteroides. Isso é algo que Annemiek Waajen, da Universidade Livre de Amsterdã, investigou, alimentando bactérias com material de meteorito —pedaços de rocha espacial que caíram na Terra.

"Se apenas alimentarmos os micróbios com meteoritos frescos e intactos, o que aconteceria?", ela perguntou. Eles consumiram o carbono e cresceram, de acordo com sua pesquisa, publicada nos periódicos Astrobiology e Scientific Reports.

Meteoritos, acrescentou Waajen, podem ter ajudado a Terra primitiva a ser habitável e influenciado a evolução da vida inicial: os primeiros organismos unicelulares teriam tido uma abundância de rochas espaciais ao redor. "Muito material meteorítico caiu na superfície por volta do mesmo tempo em que a vida se originou."

Pearce achou razoável a ideia de que asteroides poderiam se tornar alimentos. Afinal, o processo bioquímico real deveria ser mais ou menos o mesmo que com o plástico. E assim ele e seus amigos espaciais, autores do novo artigo, fizeram cálculos para estimar quanto um asteroide poderia teoricamente produzir.

Os pesquisadores utilizaram o asteroide Bennu como seu modelo de rocha espacial. A missão Osiris-Rex da Nasa retornou à Terra no ano passado com um recipiente cheio de material do asteroide. De acordo com a agência espacial americana, a massa total de Bennu é de cerca de 85,5 milhões de toneladas.

Com base em seu tamanho e conteúdo de carbono, "ele se encaixa nessa boa janela de possivelmente se tornar um petisco saboroso", disse Pearce.

No pior cenário, no qual a conversão de material seria ineficiente, o grupo calculou que, se decompostos por micróbios, os compostos em Bennu poderiam sustentar um astronauta por cerca de 600 anos. Se a conversão fosse mais ideal, esse astronauta poderia se alimentar por 17 mil anos. De forma mais prática, para sustentar um astronauta por um ano, seria necessário entre 5.500 e 175 mil toneladas de asteroide.

Antes que alguém comece a mastigar bactérias de rochas espaciais, entretanto, os pesquisadores terão que realizar os mesmos tipos de testes de toxicidade que estão sendo efetuados no trabalho com plástico.

Waajen, que não faz parte da pesquisa, disse que alimentos de asteroides fazem sentido bioquimicamente, mas que isso permanecerá como uma ideia curiosa por um tempo. "É algo que ainda está longe."

Afinal, os cientistas primeiro teriam que construir uma capacidade de mineração de asteroides e uma fábrica gigante de alimentos bacterianos... no espaço. Além disso, os asteroides não são clones químicos uns dos outros.

Pearce está disposto a tentar resolver isso e continuar o lado terrestre do trabalho, esperando reunir dados que demonstrem que as refeições de biomassa são seguras. "Já prometi que serei o primeiro a dar uma mordida", afirmou. "Se eu sobreviver, podemos passar para os estudantes de pós-graduação."

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