Neal Mohan encontrou o YouTube pela primeira vez há quase 20 anos em um pequeno escritório acima de uma pizzaria em San Mateo, na Califórnia. À época, ele trabalhava para a DoubleClick, uma plataforma de publicidade que tentava ajudar os fundadores do serviço de streaming a ganhar dinheiro.
Dentre dois anos, ambas as start-ups californianas foram compradas pelo Google, por US$ 1,65 bilhão (R$ 9,27 bilhões, na atual cotação) e US$ 3,1 bilhões (R$ 19,2 bi), respectivamente. A gigante do Vale do Silício contratou Mohan para turbinar o negócio de publicidade, enquanto também se diversificava para o vídeo.
O YouTube, do qual Mohan hoje é chefe, gera US$ 50 bilhões (R$ 310 bi) de receita anualizada para a Alphabet, a empresa-mãe do Google. A plataforma evoluiu de clipes amadores para um centro de streaming de música, assinaturas de TV a cabo, esportes ao vivo e um braço de compartilhamento de lucros para os chamados "criadores" —como influenciadores online— e seus centenas de milhões de fãs da Geração Z.
"Estou muito otimista sobre o futuro do YouTube. Ainda estamos na metade do primeiro tempo", disse Mohan em uma entrevista na sede em San Bruno, em referência à duração de partidas de futebol. "Ainda não tocamos a ponta do iceberg, pensando no que poderemos fazer com tecnologias como a de IA (inteligência artificial) generativa."
O YouTube é uma linha de negócios cada vez mais vital para a Alphabet, à medida que as divisões principais de busca e publicidade do Google enfrentam ameaças de processos antitruste e rivais de inteligência artificial corroem seu domínio na busca móvel e de desktop.
Após declinar durante grande parte de 2023, a receita de publicidade do YouTube se recuperou, crescendo 15% para US$ 25,7 bilhões (R$ 159 bi) nos primeiros nove meses de 2024. Embora isso seja um quinto dos US$ 144 bilhões (R$ 890 bi) gerados pela receita de anúncios vinculados à busca, a Alphabet precisa do dinheiro. Ela aumentou os gastos para US$ 38,3 bilhões (R$ 232 bi) enquanto compete com a Microsoft e a Amazon para construir datacenters e desenvolver chips para alimentar suas ambições de IA.
Mohan faz questão de enfatizar a importância dos criadores para sua nova estratégia, tendo já pago US$ 70 bilhões (R$ 432 bi) em receita de assinaturas e publicidade para parceiros nos últimos três anos.
Ele destacou duas funcionalidades experimentais desenvolvidas pela DeepMind, a unidade de IA do Google, chamadas Dream Screen e Dream Track, que "geram sinteticamente lindos vídeos e músicas a partir de texto".
"A IA deve estar a serviço da criatividade humana", disse Mohan. "Elas são ferramentas nas mãos dos criadores. Nunca foram feitas para substituí-los. Essa é a nossa verdadeira crença."
Outra funcionalidade da DeepMind que Mohan destacou é a dublagem automática, que traduz automaticamente vídeos em inglês para oito outros idiomas, e vice-versa.
"Qual é a barreira para o crescimento de criadores que têm audiências massivas? O idioma", diz ele. "Esse é um problema que a IA pode resolver, ela existirá de forma integrada no YouTube... É assim que nossos criadores esperam que a IA seja usada em seu benefício."
O enigma Trump
Outro problema que Mohan precisa enfrentar é a ira do presidente eleito Donald Trump. Ele foi banido da plataforma por dois anos em 2021, depois que o Google considerou que ele incitou violência no atentado ao Capitólio, em 6 de janeiro.
Trump e seus novos aliados no Vale do Silício acusaram as redes sociais de censura tendenciosa à esquerda, preferindo o absolutismo da liberdade de expressão defendido por Elon Musk no X (ex-Twitter).
Marc Andreessen, o bilionário capitalista de risco que está ajudando Musk a aconselhar Trump, pediu que os dados internos do Google sejam divulgados de maneira semelhante aos chamados "arquivos do Twitter", que supostamente revelaram um viés anti-conservador nas decisões de moderação.
"Devemos obter os arquivos do YouTube e provavelmente conseguiremos", disse Andreessen em um podcast com Joe Rogan. "Esta nova administração vai abrir tudo isso."
Mohan disse: "Já trabalhamos com Trump por quatro anos de uma maneira muito produtiva em tempos desafiadores, de uma forma onde a liberdade de expressão e visões amplas foram preservadas. Realmente continuamos sendo um bastião da liberdade de expressão. Mas, só porque é uma plataforma aberta, não significa que tudo é permitido."
Mohan afirmou que liderou um investimento "muito, muito pesado" em IA e moderação humana e fortaleceu as diretrizes da comunidade desde um "momento crítico" em 2017, quando anunciantes boicotaram o YouTube após uma série de escândalos sobre vídeos de discurso de ódio sendo carregados e preocupação com pedófilos e terroristas infiltrando-se nas seções de comentários.
Embora o YouTube seja mais associado a vídeos em laptops e celulares, seu segmento de crescimento mais rápido são as TVs conectadas, nas quais 1 bilhão de horas de conteúdo é transmitido diariamente. Não é apenas um meio popular para assistir esportes e séries, mas também "shorts" feitos por criadores, seu concorrente do TikTok que a empresa diz receber 70 bilhões de visualizações por dia.
A Ampere Analysis classifica o YouTube como o terceiro maior gastador em conteúdo original, atrás apenas da Disney e Comcast, investindo mais de US$ 20 bilhões (R$ 123 bi) na primeira metade de 2024, superando a Netflix e a Warner Bros Discovery.
A maior aposta até agora foi um contrato de sete anos, de US$ 14 bilhões (R$ 86 bi), para transmitir partidas da Liga Nacional de Futebol dos EUA, parte da razão pela qual 35 bilhões de horas de conteúdo esportivo foram assistidas no YouTube no ano passado.
Mohan está aberto a comprar mais acordos de direitos, mas o alto custo significa que cada um precisa ser "avaliado por seus próprios méritos."
Folha Mercado
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Ambições de CEO?
Nascido em Indiana, Michigan, Mohan mudou-se para Lucknow, na Índia, para o ensino médio, antes de retornar aos EUA para estudar engenharia elétrica na Universidade de Stanford.
Depois de ingressar no Google em 2007 como parte do acordo com a DoubleClick, ele se tornou braço direito da executiva Susan Wojcicki e ajudou a construir seu negócio de tecnologia de anúncios, que combina anunciantes e editores em leilões online instantâneos dirigidos por algoritmos. Foi tão bem-sucedido que o Departamento de Justiça está buscando desmembrá-lo por ser um monopólio.
Ele sucedeu Wojcicki no YouTube em 2023. Ela faleceu de câncer de pulmão em agosto.
Mohan recebeu muitas ofertas de rivais durante seus 17 anos de mandato. Ele foi apelidado de "homem de US$ 100 milhões do Google" após supostamente receber um pacote de retenção de concessões de ações em 2013 quando estava sendo cortejado pelo Twitter.
"Não acredite em tudo que você lê por aí", disse Mohan sobre seu pagamento. Perguntado se ele eventualmente queria o cargo principal na Alphabet, o chefe do YouTube evitou a pergunta.
"Estou no Google há muito tempo. Realmente gosto das pessoas com quem trabalho", disse ele. "Ainda estamos nos primeiros dias de onde a IA nos levará —se estivéssemos tendo essa conversa há dois anos, 80% do que falamos seria apenas uma ideia teórica. Isso mantém as coisas realmente, realmente empolgantes."