Cardiologista condenado por importunação sexual mantém atuação em entidades médicas

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O médico cardiologista Nabil Ghorayeb, condenado por importunação sexual dentro de seu consultório em São Paulo, mantém uma agenda de palestras e participação em entidades da categoria. A presença dele em espaços considerados de prestígio dentro da medicina tem causado desconforto entre profissionais da área.

O profissional segue atuando em eventos da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. Em um curso sobre esteroides anabólicos oferecido em 8 de agosto deste ano na regional de São Carlos da entidade, Ghorayeb aparece como palestrante.

O cardiologista foi convidado para ser um dos palestrantes do 36º Congresso Brasileiro de Medicina Esportiva, nos dias 22 e 23 de novembro, na capital paulista. Ele aparecia listado em três atividades da programação, como palestrante, coordenador de um simpósio e conferencista.

Após pedido de informações a respeito da participação feito pela Folha, o nome do médico foi retirado da programação. Por mensagem, Ghorayeb afirmou que não tinha confirmado presença e que não iria por motivos de viagem internacional. A Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva não respondeu aos questionamentos.

Além disso, a página do Derc (Departamento de Ergometria, Exercício, Cardiologia Nuclear e Reabilitação Cardiovascular) da Sociedade Brasileira de Cardiologia lista Ghorayeb como parte do conselho consultivo da entidade. Ele presidiu o departamento entre 2014 e 2015 e integrou a Comissão de Defesa Profissional e Ética entre 2022 e 2023, ano em que foi condenado.

O médico recebeu a sentença em maio daquele ano por importunação sexual da filha de uma paciente. O crime aconteceu dentro do consultório dele, em 2021, quando a empresária procurou o médico para realizar uma teleconsulta com a mãe que estava internada após um infarto.

O juiz Paulo Camargo Magano, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, afirmou na decisão que condenou Ghorayeb em 2023 que "está comprovado que o réu praticou ato libidinoso, qual seja, o de passar a mão nas partes íntimas da vítima, tentando beijá-la e, ainda, colocando a mão dela sobre seu órgão genital, contra sua vontade, proferindo 'você tem cara que gosta de chupar', objetivando satisfazer sua própria lascívia". O médico teve recurso negado em 2024.

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Ao menos outras sete pacientes também prestaram queixa contra o médico, mas as denúncias prescreveram porque os supostos atos foram praticados antes de 2018, quando entrou em vigor a lei que tipificou o crime de importunação sexual. As denúncias também foram feitas no Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), onde continuam em andamento.

A Folha solicitou ao Cremesp informações sobre os processos e possíveis ações disciplinares correntes contra o médico, mas não obteve resposta. O registro profissional de Ghorayeb se mantém ativo, possibilitando atuação profissional. O médico mantém os atendimentos em sua clínica, localizada no Ipiranga, na zona sul de São Paulo.

Após as denúncias em 2021, Ghorayeb foi afastado do HCor (Hospital do Coração), onde atuava. A presença dele em eventos médicos vem sendo objeto de desconforto entre profissionais da área.

De acordo com Henderson Fürst, presidente da comissão de bioética da OAB-SP, embora não haja impedimento legal para que um médico condenado participe de atividades como congressos e palestras, há uma dimensão ética a ser levada em consideração.

"Se é o caso de um médico que realiza um crime em decorrência da sua profissão, em que o ato está relacionado à prática médica, aí existe um problema ético que pode inviabilizar a participação", afirma. Segundo ele, porém, como as sociedades de medicina são entidades privadas, cabe a elas deliberar internamente sobre os convites.

O advogado chama a atenção para o Código de Ética Médica, que afirma que os profissionais não podem "usar a profissão para corromper costumes, cometer ou favorecer crime". Ao mesmo tempo, como não há sanção formal dos conselhos médicos, Fürst pondera que Ghorayeb pode participar de eventos e se manifestar.

"Enquanto não houver uma censura pública, fica um problema ético não solucionado e retirá-lo pode ferir a liberdade de expressão", afirma.

Ainda assim, a presença de Ghorayeb na agenda do congresso de medicina esportiva gerou desconforto entre profissionais. A Folha recebeu uma mensagem circulada pelo WhatsApp que afirma que o médico "é apontado por colegas e conselhos médicos como referência para indignação de suas vítimas", e propõe mobilização para que ele seja retirado da programação do congresso de novembro.

Ainda de acordo com a mensagem, o profissional teria sido retirado da programação do Congresso Nacional do Derc em 2023, realizado em Salvador, semanas após a condenação. O médico não consta nas atividades do evento. Questionada a respeito, a entidade não se manifestou.

A advogada Isabela Del Monde, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas e sócia da Gema Consultoria em Equidade, considera que a presença de um profissional condenado por crime sexual em espaços de visibilidade e liderança passa mensagem de conivência.

"Alguém que comete uma violação de direitos humanos, porque é isso que uma violência sexual é, não pode ser imune a uma responsabilização social", diz. "Não é que a pessoa não possa seguir trabalhando, mas ter ela num lugar de 'exemplo' não é adequado, muito menos ético."

Procuradas, a Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, a Socesp e a SBC/Derc não responderam.

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