Robert Downey Jr. está concentrado nos ensaios para estrear na Broadway no próximo mês como um romancista obcecado por inteligência artificial em "McNeal". Na próxima primavera, George Clooney também estreia na Broadway em "Boa Noite e Boa Sorte", e Denzel Washington retorna, após uma ausência de sete anos, para estrelar "Otelo" com Jake Gyllenhaal.
Há depois uma estreia ainda mais surpreendente: Keanu Reeves planeja inaugurar sua carreira na Broadway no outono de 2025, ao lado de seu antigo companheiro da franquia "Bill & Ted", Alex Winter, em "Esperando Godot", uma trágicomédia.
A Broadway está apostando alto no poder dos astros de Hollywood, esperando que seu toque de glamour acelere sua recuperalção, enquanto se adapta aos custos de produção mais altos e a audiências menores desde a pandemia.
Mesmo para uma indústria há muito acostumada com a presença de estrelas do cinema e da música pop, esta abundância de hoje é impressionante.
A mudança reflete um novo cálculo econômico de muitos produtores, que concluíram que peças de curta duração com elencos liderados por celebridades têm mais chances de lucrar do que os musicais caros e cheios de brilho que há muito tempo são o carro-chefe da Broadway.
Para os atores, há outro fator: à medida que as redes de TV e empresas de streaming reduzem as séries roteirizadas, e Hollywood se concentra em filmes de franquia, o palco oferece a chance de contar histórias mais desafiadoras.
"Olha, certamente os contracheques são incríveis quando você está usando um traje de borracha, mas a recompensa que você sente por dentro quando está fazendo teatro é ainda maior", diz Christian Slater, que estará se apresentando no circuito off-Broadway em uma peça de Sam Shepard, "A Maldição da Classe Faminta", ao lado de Calista Flockhart.
O resultado é um desfecho que poucos teriam previsto uma década atrás, quando especialistas da indústria estavam preocupados com a situação da Broadway, onde a maioria dos ingressos é comprada por turistas interessados em musicais. Por um tempo, pareceu até que as peças desapareceriam do cardápio da Broadway, mas, em vez disso, elas estão se proliferando.
"Quase todo o nosso modelo é baseado em participações de estrelas de curta duração", afirma o produtor Greg Nobile, cuja empresa, Seaview, teve um sucesso na temporada passada com uma reprise de 17 semanas de "Um Inimigo do Povo" estrelada por Jeremy Strong.
Na temporada atual, estão dobrando a aposta, começando no próximo mês com uma reprise de "Romeu e Julieta" com Kit Connor, protagonista da série "Heartstopper", popular na Netflix, e Rachel Zegler, que interpretou Maria no filme "Amor, Sublime Amor" de 2021, seguido pela peça de Clooney. "Acredito que agora, para chamar a atenção de qualquer pessoa em qualquer setor, as coisas precisam ser um evento."
Desde a pandemia, estrelas do cinema e da televisão têm trazido burburinho e audiências para várias peças da Broadway, incluindo Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick em "Suíte Plaza", Samuel L. Jackson em "A Lição de Piano", Jessica Chastain em "Casa de Bonecas" e Jodie Comer em "Prima Facie".
Entre os astros de Hollywood que lideram peças nos palcos de Nova York nos próximos meses, tanto na Broadway quanto fora dela, estão Kenneth Branagh, Kieran Culkin, Adam Driver, Mia Farrow, Daniel Dae Kim, Julianna Margulies, Bob Odenkirk, Jim Parsons e Marisa Tomei.
Como em tudo na Broadway, as finanças pesam. O dinheiro arriscado por investidores em peças é muito menor do que em musicais, que tendem a ter elencos maiores, cenários mais elaborados e, é claro, músicos, tornando-os cada vez mais caros de produzir.
Um novo musical nos dias de hoje custa mais de US$ 20 milhões para chegar à Broadway —"Boop!", baseado em Betty Boop, que estreia na próxima primavera, está sendo orçado em até US$ 26 milhões. Peças tradicionais geralmente custam menos da metade disso —a reprise de "Romeu e Julieta", por exemplo, chega a US$ 7 milhões, de acordo com a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio dos Estados Unidos.
O potencial de retorno delas também é menor. Uma peça bem-sucedida pode devolver 30% aos investidores; os gigantes musicais (que são raros) podem retornar muitas vezes esse número, sustentando longas temporadas em teatros grandes, resultando até em turnês.
Dos 24 novos musicais da Broadway que estrearam nas últimas duas temporadas, apenas um, "& Juliet", se tornou lucrativo. Outras duas, "Hell's Kitchen" e "The Outsiders", têm potencial de lucro, mas ainda é cedo para afirmar.
Jim Parsons, que migrou para os palcos desde o fim da série de TV "The Big Bang Theory", se destaca numa reprise de "Our Town", cujas apresentações começam no próximo mês, com um elenco que também inclui Katie Holmes.
"A pandemia causou mudanças em mim, assim como em outras pessoas, e uma delas é que hoje busco aquilo que me force a entrar em contato com outros seres humanos", disse ele em uma entrevista. "Talvez não seja só por causa da pandemia —é culpa também dessa era digital."
O salário na Broadway não é tão alto quanto em Hollywood, mas não é ruim —em produções comerciais, os atores geralmente recebem um salário base, e negociam mais uma porcentagem sobre a bilheteria ou qualquer outro lucro.
Eles costumam ter de de se comprometer com o espetáculo por pelo menos quatro meses, se houver alguma esperança de lucro. "Todo grande ator quer sustentar seis semanas na Broadway, mas nem sempre isso funciona, então é preciso mostrar a eles um gráfico que explique isso", diz Sue Wagner, produtora e gerente geral.
Essa onda não deve diminuir —há indícios de que John Mulaney, Sarah Snook e Andrew Scott também aparecerão nos palcos de Nova York nesta temporada. "Muitos atores estão esperando pelo roteiro certo", afirma John Johnson, que também é produtor e gerente geral.
Parte disso e atribui a uma mudança em Hollywood. "Há pouco mercado independente, mesmo para grandes estrelas, e por isso estão procurando lugares para contar histórias mais ousadas", afirma Scott Elliott, diretor artístico fundador do New Group, que está promovendo sua atual temporada off-Broadway como "as estrelas e shows que você não pode perder", com Tomei, Flockhart e Slater.
Joe Machota, um poderoso agente da Broadway, diz que mais estrelas do cinema e da TV estão disponíveis após anos de interrupções nas agendas por causa do coronavírus e das greves de Hollywood. "Esta foi a primeira temporada em que as pessoas puderam dizer 'posso me comprometer com isso em Nova York’", ele conta.
A Brodway não tem recebido somente estrelas de cinema e televisão. Os musicais desta temporada terão também os cantores pop Nick Jonas, dos Jonas Brothers, Nicole Scherzinger, das Pussycat Dolls, e Michelle Williams, das Destiny’s Child.
E há também as divas do próprio teatro musical, como Audra McDonald, Idina Menzel, Sutton Foster e Bernadette Peters, que também vão trabalhar em musicais nesta temporada.
Esse movimento é um impulso simbólico para uma indústria que ainda está tentando recuperar seu vigor. A Broadway vinha tendo crescimento notório antes da pandemia, mas depois caiu; na temporada que começou no ano passado, a frequência de presença foi 17% menor do que na temporada encerrada antes do coronavírus se espalhar.
"Esses atores trazem novas audiências para o teatro", diz Jamie Lloyd, que dirigirá Scherzinger em "Sunset Boulevard" e Keanu Reeves em "Godot".
Para os atores, há prestígio e a possibilidade de novos prêmios —algumas das estrelas desta temporada já têm Emmys, Grammys ou Oscars, então almejam agora um Tony ou um EGOT, troféus do teatro.
Segundo eles, existe prazer em se apresentar ao vivo. Muitos foram treinados como atores de teatro, e por isso se sentem mais mais desafiados quando estão no palco.
"Não há nada igual", disse Margulies, que a partir do final do próximo mês estará atuando em "Left on Tenth", adaptado por Delia Ephron. Margulies não trabalha no palco há 18 anos, mas disse: "Tenho procurado por uma peça há muito tempo." Por quê? "Comecei no palco, e essa conexão imediata com a plateia não existe no cinema ou na televisão."
Margulies ficou famosa no programa de televisão "Ee", que também tinha George Clooney. "Anos atrás", ela lembrou, "depois de fazermos ‘Er’, eu disse a ele, ‘você deveria fazer teatro’, e ele respondeu, 'de jeito nenhum, nunca farei teatro.'"
Quando ela notou que ambos estariam nos palcos agora, enviou a ele um e-mail para compartilhar seu nervosismo.
"Eu disse ‘George, estou muito orgulhosa de você’". Ele respondeu afirmando que também estava nervoso, mas que tinha chegado a hora.
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