No filme "Perdido em Marte" (2015), vemos um astronauta isolado no planeta vermelho tendo de se virar para sobreviver por meses a fio, até que uma missão de resgate possa trazê-lo de volta à Terra. Para isso, ele cria uma virtuosa plantação de batatas. Ficção? Pode muito bem ser uma realidade próxima, segundo um estudo liderado por uma pesquisadora brasileira –principalmente se trocarmos batatas por tomates
Rebeca Gonçalves, então associada à WUR (Wageningen University & Research, na Holanda), assinou em maio, como primeira autora, um artigo na revista científica Plos One que explora uma técnica de policultura –a combinação de diversos vegetais em um mesmo cultivo– para agricultura em Marte. No caso em questão, foram testadas culturas de tomates, ervilhas e cenouras, todas juntas ou em separado. Como estratégia adicional de controle, fizeram os mesmos plantios em recipientes com simulador de regolito marciano, areia e solo de vaso.
A policultura é uma estratégia já desenvolvida e bem-sucedida na Terra para aumentar a produtividade e preservar a saúde do solo. Mas poderia funcionar em Marte? Esse foi o primeiro experimento do tipo, realizado com um simulador de regolito marciano criado pela Nasa, muito similar ao que cobre o planeta vermelho. "Não sabíamos ao certo o que esperar", conta Gonçalves. "Nossa hipótese era de que, em teoria, a policultura deveria gerar resultados melhores para ao menos uma das espécies."
Foi o que aconteceu. Os tomates em policultura deram o dobro de frutos, amadureceram mais cedo e deram plantas mais viçosas. "Ficamos muito contentes com esse resultado justamente porque conseguimos que a técnica de policultura desse certo para uma das três espécies ‘marcianas’ envolvidas."
Ainda há, contudo, mistérios a serem desvendados. Não é fácil tornar um solo estéril, como é o caso do marciano, em algo capaz de manter plantas em crescimento, sobretudo pela falta de bactérias para realizar a fixação do nitrogênio. Os pesquisadores tentaram introduzi-las, mas notaram que elas tiveram dificuldade em sobreviver. Segundo Gonçalves, foi uma surpresa, que eles atribuem ao uso de potes profundos para os plantios.
O plano agora é experimentar com variações desses e outros parâmetros a fim de aprimorar os resultados e tornar o plantio mais eficiente –em Marte ou na Lua, mas, por extensão, na própria Terra. Gonçalves explica: "Toda a tecnologia desenvolvida para regeneração de regolito marciano (ou lunar) pode ser imediatamente transferida para regenerar solos degradados da Terra." O que se torna ainda mais importante quando lembramos que 40% dos solos férteis do planeta já sofreram degradação, pelas mudanças climáticas ou por ações humanas, como a monocultura em série.
A pesquisadora brasileira, contudo, segue com os olhos no céu. Trabalhando para a Agência Espacial Brasileira (AEB), ela atua hoje como consultora em um projeto para viabilizar plantios na Lua, em colaboração com a Embrapa. A rede Space Farming Brazil se insere no contexto do programa Artemis, da Nasa, que ambiciona promover o retorno tripulado ao satélite natural até o final da década. A ideia é desenvolver um sistema de agricultura para futuras colônias lunares.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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