Brasileira cobra investimento em biologia quântica para o país 'não pegar o bonde andando'

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Para alguns biólogos, a física pode ser uma área complicada e cheia de cálculos, fazendo com que fujam da disciplina como o diabo foge da cruz. Mas não é o caso de Clarice Aiello, 42. Formada em engenharia elétrica, ela é diretora científica do instituto Quantum Biology e fascinada pelo mundo da física, especialmente quântica.

Em seus estudos, Aiello mescla conhecimentos da mecânica quântica para buscar compreender processos biológicos até agora inexplicáveis, como a fotossíntese e como os pássaros escolhem as suas rotas migratórias através dos campos magnéticos da Terra.

"A velocidade da multiplicação de células e as suas alterações ou a quantidade de oxidantes no interior celular, são alguns exemplos que, se a gente entendesse deterministicamente como funcionam, poderiam ser explorados para fins médicos", diz ela, que também é pesquisadora da Ciência Pioneira, uma iniciativa do Idor (Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino), ligado à Rede D’Or, para apoio à ciência de fronteira no país.

A pesquisadora carrega nas costas um peso inversamente proporcional ao das moléculas subatômicas que estuda, o de ser uma referência mundial na área da biologia quântica. "Um exemplo, eu estudo como as células respondem a campos magnéticos fracos, da ordem do que é emitido por um aparelho celular, algo bem diferente de como vão responder a um aparelho de ressonância magnética."

Para entender o que é a biologia quântica, é preciso primeiro recorrer aos conceitos da física moderna em oposição à física clássica, conforme demonstrado por Isaac Newton, no século 17.

"Métodos biológicos hoje estão parados nas leis de Newton, mas eu diria que apenas 10% das forças de dentro das células vêm delas, o restante são leis da física quântica, que regem o domínio do muito pequeno e do muito rápido, na escala atômica, que não conseguimos entender intuitivamente. Uma das postulações da biologia quântica é que a natureza talvez utilize essas leis para funcionar de maneira ótima", explica.

Por exemplo, a replicação do DNA no interior das células tem uma eficácia próxima de 100%, mas as leis da física clássica afirmam que as forças sempre devem funcionar próximo a uma média. "São coisas que acontecem no muito pequeno e no muito rápido [nanossegundos] e que têm consequências macroscópicas e em tempos maiores [segundos]", afirma.

O problema com a biologia quântica é que não foram criados instrumentos, até hoje, que pudessem comprovar esses processos. "As enzimas são chamadas de motores das células, e hoje se tem evidência em tubo de ensaio que a função catalisadora [de reação] delas ocorre por um processo de tunelamento. Só que ninguém fez a medida verdadeiramente quântica dentro de uma célula, e o jeito para fazer isso é construindo novos instrumentos."

O tunelamento é um dos processos da física quântica mais conhecidos. Ele consiste na transferência de um elétron ou de um próton (partículas subatômicas com carga negativa e positiva) de um lugar para o outro usando uma energia que o átomo não tem. Ele é amplamente utilizado em semicondutores em computadores e acredita-se que estaria presente também nos processos enzimáticos.

Outro exemplo citado é a superposição, quando dois átomos podem se manifestar de maneiras diferentes. Imagine um "switch" de luz que pode transformar uma bola de luz verde em vermelha e vice-versa. As duas cores vivem juntas no mesmo objeto —este é o princípio da superposição. Aiello afirma que a superposição pode explicar forças magnéticas que ocorrem no interior celular e nas proteínas.

Por fim, tem o emaranhamento —a dedução de uma característica de uma partícula a partir da suposição de outra similar. Novamente, no exemplo das esferas, é como se uma bola verde e uma vermelha fossem colocadas em malas separadas. Se eu acredito que a bola verde está na mala em minha frente, automaticamente a bola vermelha deve estar na outra.

"Mas ninguém sabe, ainda, como eles funcionam exatamente e como regular esses processos, porque tudo que nasce quântico, morre clássico, e não conseguimos ainda calcular o efeito deles", relata. Por "morrer", a pesquisadora se refere à finitude dos processos quânticos subatômicos no interior celular.

Este foi um dos motivos, aliás, para a biologia quântica não ter avançado nos últimos anos, pois os fenômenos biológicos eram considerados complexos demais para serem explicados por mecânica quântica. "O que a gente quer aprender é a atuar na biologia usando esse botão novo, essas leis quânticas que afetam os processos biológicos de muitas maneiras, e isso está só começando."

Por essa razão, Aiello faz um apelo para que o Brasil invista nessa área e não "pegue o bonde andando". "Já perdemos a vantagem em estudos de mecânica quântica, da computação, do Crispr [técnica de recorte e cola de DNA], mas temos a chance de transformação nessa área da biologia quântica. Quem sabe, no futuro, não terão departamentos de biologia quântica?", indaga.

Imersão

O Idor Ciência Pioneira vai organizar, de 11 a 15 de agosto, a primeira Escola de Biologia Quântica no mundo, que deve unir os principais nomes da área em uma imersão em Paraty, no Rio de Janeiro. O projeto tem apoio da Faperj.

As pré-inscrições vão até 21 de fevereiro no site escolabioquantica.com.br. O valor da inscrição é de R$ 350 —segundo a organização do evento, será doado a um projeto social na cidade.

Estão previstos cinco cursos, ministrados por Clarice Aiello, Marcelo Terra Cunha, Marucia Chacur, Luiz Davidovich e Pedro Pascutti.

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