A inadimplência dos beneficiários do Bolsa Família pode crescer até 14% com apostas em sites de jogos eletrônicos, conhecidas como bets. No cenário geral, considerando os empréstimos tomados por todas as pessoas físicas, o aumento da inadimplência bancária seria de até 27,1%.
É o que apontam simulações apresentadas em estudo realizado pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) sobre os efeitos econômicos das bets no Brasil. É a primeira vez que os bancos divulgam simulações sobre o potencial impacto das apostas online sobre a inadimplência no setor.
O documento obtido pela Folha foi entregue ao senador Omar Aziz (PSD-AM) após solicitação de informações por meio de ofício. Aziz integra a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das bets.
Nas simulações do estudo, a taxa de inadimplência da carteira de pessoa física com renda até dois salários mínimos, que inclui os beneficiários do Bolsa Família, subiria de 5,17% para 5,90%, um aumento de 0,73 ponto porcentual. Já o saldo inadimplente, de R$ 38,5 bilhões, teria um incremento de R$ 5,4 bilhões.
Na carteira geral de financiamentos bancários para pessoas físicas, a inadimplência teria um salto maior, de 1,10 ponto porcentual, passando de 4,05% para 5,15%. Nessa simulação, o volume de crédito com inadimplência cresceria R$ 35,1 bilhões, subindo de R$ 129,4 bilhões para R$ 164,5 bilhões.
O estudo será apresentado à CPI. A comissão foi instalada no Senado em novembro para apurar a influência das apostas online no orçamento das famílias e investigar eventual associação com organizações criminosas e lavagem de dinheiro.
No relatório, a entidade faz alerta de que a inadimplência dos tomadores de crédito de até dois salários mínimos já é atualmente cerca de 50% maior do que a das pessoas com renda entre dois e dez salários mínimos, e mais do que o dobro daquelas com renda acima de dez salários mínimos.
Os números mostram que o gasto com jogos é proporcionalmente maior para os beneficiários do Bolsa Família. Ele representa cerca de 8,7% da massa de rendimentos dos beneficiários do programa, em termos brutos, e 1,3% considerando o valor líquido.
As simulações foram feitas com base em dados do BC (Banco Central) de agosto e não consideram o crédito rural. Foram comparados gastos anuais líquidos das famílias com a carteira inadimplente.
O documento destaca que não é possível estimar com precisão quanto dos gastos em apostas poderá resultar em inadimplência. Nesse caso, a análise considerou que todo o valor líquido anual gasto em bets pode se transformar integralmente em inadimplência.
A premissa utilizada foi a de que, dada a rigidez orçamentária, especialmente as famílias de menor renda, as perdas geradas no mercado de apostas levariam ao aumento do endividamento e posterior inadimplência.
O problema seria maior nas linhas de crédito de curto prazo, como cartões de crédito e cheque especial. Mas os empréstimos de longo prazo, que já comprometem o orçamento das famílias (como crédito pessoal, veículos e crédito imobiliário), também podem ser afetados, afirma a associação.
"Embora pareça uma suposição forte, note que quem ganha na aposta irá desfrutar de outros bens e serviços e não apenas pagar dívidas, enquanto aqueles que perdem podem simplesmente não ter fontes de recursos para arcar com os prejuízos e se verem endividados e inadimplentes", destaca o estudo. Para a Febraban, o impacto pode até ser maior.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
A entidade chama atenção no documento que dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que as famílias de menor poder aquisitivo (com renda até três salários mínimos) têm mais de 80% de seu orçamento comprometida com itens básicos, como habitação (39%), alimentação (22%), saúde/cuidados pessoais (10,9%) e transporte (9,5%).
O relatório foi feito com dados do fluxo de transações financeiras para plataformas de bets de oito bancos que respondem por 71% dos depósitos do SFN (Sistema Financeiro Nacional) e um levantamento prévio feito pelo BC sobre o perfil de apostadores de bets. Foram utilizados os dados do BC.
O estudo mostra ainda que as apostas online já movimentam recursos expressivos na economia do país. Em termos de consumo das famílias, os valores brutos apostados correspondem de 3% a 3,5% do total, enquanto os valores líquidos equivalem de 0,45% a 0,53%.
No PIB (Produto Interno Bruto), os valores brutos variam de 1,9% a 2,3%, e os líquidos de 0,29% a 0,34%. Considerando a renda nacional bruta das famílias, a participação bruta das bets representa de 5,7% a 6,7% e líquida varia de 0,9% a 1%.
"As apostas online têm um impacto muito forte, principalmente nas famílias mais vulneráveis. Elas podem parecer uma oportunidade fácil de ganhar dinheiro, mas na maioria das vezes, o que acontece é o oposto: as pessoas acabam perdendo o pouco que têm e comprometendo ainda mais o orçamento familiar", diz Bia Santos, embaixadora do programa "Direto ao Tesouro" e CEO da Barkus, que dissemina educação financeira.
Para ela, esse quadro representa um grande risco, porque o dinheiro que poderia ser investido em educação, saúde e bem-estar vai para as apostas, criando um ciclo de endividamento e insegurança financeira.
"Quando você começa a ver alguém com dificuldades para pagar contas essenciais, como alimentação, aluguel ou transporte, e sempre tentando justificar com promessas de recuperar o dinheiro, esse é um sinal claro de que a aposta está tomando um espaço perigoso no orçamento", diz Santos.